Seco, sincopado, o ritmo adotado por Tony Richardson, a fim de enfocar o que houve, na frente e nos bastidores, do grande fiasco militar britânico que foi a carga da brigada ligeira, em Balaklava, comandada por Lord Cardigan (Trevor Howard, excelente), ordenada por Lord Raglan (John Gielgud, classe absoluta) e mal compreendida por Lord Lucan (Harry Andrews). Há também um certo caráter jornalístico no modo de ver os acontecimentos, associado à montagem e reforçado pelo ótimo achado de glosar e sintetizar os fios da trama, mediante os recursos de animação. São espécies de vinhetas móveis, que intercalam a narrativa, baseadas em desenhos e caricaturas da própria época.
The Charge of the Light Brigade, a partir do roteiro de Charles Wood, já é uma obra cheia de pretensões. O diretor Tony Richardson (Tom Jones, A Taste of Honey, Mademoiselle, Look Back in Anger, The Loved One etc.) estudou o assunto desde cêrca de dois anos antes do início das filmagens. Quis fazer a sua obra de fôlego -, chegou quase ao fim do caminho. Mas, embora não se trate de algo sensacional, é um filme bastante apreciável. O naturalismo feroz pinta os bastidores de uma vida militar, onde, na superfície, reina o ócio, a incompetência, a política e a rivalidade entre os oficiais. É um cinema livre que não tem -peso de voltar os olhos agudamente críticos sôbre as “glórias" do passado. E sem, em paralelo, deixar de trazer implicações a um presente de bomba H, onde uma ordem como aquela que confundiu os três comandantes não acarretará apenas centenas de cadáveres deformados, mas raspar a humanidade do mapa. Só um intento de tal natureza explicaria o esfôrço do cineasta, com os elementos poderosos, que tinha em mão, em domar a eclosão do espetáculo, com a economia dos climaxes e, no momento decisivo - a hora da carga -, transformar esta última em anticlímax . Por isso mesmo, fazendo uma distinção que até nem é muito sutil, The Charge of the Light Brigade se consiste numa fita, não de guerra, mas sôbre a guerra. No gênero, não chega ao ponto máximo de obras antológicas, como Sem Novidade no Front (All Quiet in the Western Front), de Milestone, ou Glória Feita de Sangue (Paths of Glory), de Kubrick, porém atinge logo a um segundo plano.
O que há de mais elogiável nesta realização foi a capacidade do diretor (aliado ao roteirista) em - quase à base de sequências-flashes - jogar sinteticamente com as diversas variantes ou constelações anedóticas do entrecho, numa fita cuja metragem não passa de cêrca de duas horas e meia. lmpera quase uma idéia de descontinuidade jornalística, envolvendo os fatos até o trecho final, de caráter mais analítico, da guerra propriamente dita. A opção não deixa de atender a uma lógica da história, pois o Time, cujo correspondente acompanha as ações, dentro do filme, tratou, na época, o assunto com enorme destaque.
A fotografia de David Watkin é um refôrço plástico de grande efeito, não apenas quanto à pulverização das unidades cromáticas nos primeiros planos do choque da batalha, mas também nas cenas românticas, onde interfere Vanessa Redgrave, muito bem caracterizada. Muito bonito o quadro bipartido, onde à esquerda, em primeiro plano, ela chora, e, à direita, ao fundo, em flou azul-verde, os dois homens entregam-se ao jogo no gramado. Existe também um corte abrupto, parece-nos, diretamente influenciado por Kubrick, no mesmo Paths of Glory, quando a imagem, dos bastidores de dureza e miséria do quartel, salta já para o movimento do salão, onde bailam os oficiais.
A cena-chave - da carga -, otimamente realizada, embora contida para qualquer fluxo de emotividade épica, dado o enfoque crítico. Tanto nos long-shots do local, como no estrépito do entrechoque em primeiros e médios planos, inicialmente entre o estouro dos canhões e os cavaleiros, depois a virulência do corpo a corpo. O final do filme: sêco, mordaz – os oficiais discutem entre si a respeito de quem teria sido o responsável pelo morticínio. Uma fita de destaque para 1969.
Correio da Manhã
16/09/1969