Eflúvios fotográficos - amor e natureza - a renúncia pela paixão mútua, que, pouco a pouco, leva dois sêres a viver semiprimitivamente.
Aí está Elvira Madigan, realização de Bo Widerberger (também autor do roteiro e argumento, além de produtor), em eastmancolor, que obteve grande sucesso no V Festival de Nova York e no Festival de Cannes de 1967, onde um dos protagonistas, Pia Degermark, obteve o prêmio de melhor atriz. Aliás, o filme inteiro se consiste num dueto dos dois intérpretes principais, Pia e o ator Thommy Berggren, que já atuara em quatro fitas anteriores de Bo Widerberger.
Na Suécia, o acontecimento inspirador dessa obra, decorridos oitenta anos, ainda é lendário, motivo de baladas. Em 1889, o conde Sixten Sparre - tenente do Exército Sueco – deserta da carreira das armas e foge para a Dinamarca com uma equilibrista de circo, Elvira Madigan. O resto é a fuga, o anonimato forçado, o desalento final que os conduz ao suicídio, em suma, uma odisséia intimista do amor (socialmente proibido) que paira no ar ainda vivo, enquanto seus protagonistas executam o inevitável pacto de morte.
O roteiro de Bo Widerberger somente em brevíssimas imagens retrospectivas se detém nos eventos anteriores ou contemporâneos à fuga; capta os amantes já no início da odisséia silvestre, onde a natureza é pano de fundo constante ao idílio inacabado. O tempo inteiro de projeção constituí o enfocamento esteticista do par, girando, rolando, saltando, fugindo, mergulhando, amando, disparando pelas aléias coloridas.
Intimismo sonoro, eflúvio visual. A fotografia de Jorge Persson tem, nesta modalidade de espetáculo cinematográfico, importância tão grande quanto a do diretor. Estamos diante de uma espécie de Jean Gabriel Albicoco, (do qual, há pouco, assistimo ao ainda mais esfuziante, Le Grand Meaulnes), aduzido de pitadas espirituais de obras, como Une Partie de Campagne, de Jean Renoir, ou mesmo (sem as implicações intelectuais), Jules et Jim, de François Truffaut. Certo que falta a Widerberger o mesmo sentido de grandeza, de maior abertura existencial, próprias aos cineastas franceses acima mencionados. Elvira Madigan é uma jóia menor, uma fita quase que desnecessária, não fôsse o inacreditável four de fo rce de mantê-la sempre num nível indiscutivelmente elevado de instigação plástica, de sublimação dos personagens no transe da natura.
A pesquisa visual, com o delírio do flou, o arrôjo de certos deslocamento de câmara, a constância do primeiro plano, do detalhe, lembram também bastante a estrutura de determinadas produções da época do cinema mudo; por exemplo, o que se fêz em matérias de viragens com Ménilmontant, de Dmitri Kirsanoff. A fala intervém apenas em lances considerados essenciais. O resto é ruído, ruído agreste e o compasso nostálgico de Mozart. A escolha de uma das mais belas peças dêste compositor, o Concêrto nº 21, cai como uma luva em função do ritmo "leve, breve, suave, como um canto de ave", segundo a expressão touchstone, de Fernando Pessoa.
O que falta à concepção do filme para dar-lhe a grandeza necessária, que fugisse em todos os instantes à superficiaIidade do exercício pirotécnico, se consiste em maior imaginacão e aquêle saber olhar sôbre fatos e eventos que traga a informação nova, a formulacão inesperada. Bo Widerberger, apesar do rigor e eficácia na seleção e aplicação do elementos em jôgo, perde-se no acidental ou no máximo, cai em mais um canto a respeito do amor eterno, incompreendido. Menos fervor, mais sutileza. Ligeiros achados insinuantes, como a barba feita pela metade, Elvira como um passarinho, ciscando o solo para comer, dão pouco para a fome de originaIidade. Quanto aos intérpretes, nada a opor: rendem o máximo, Pia uma bela figura.
Correio da Manhã
17/09/1969