A Cama ao Alcance de Todos divide-se em dois episódios. O primeiro dêles, dirigido por Alberto Salvá possui tão somente um leve nível recreativo. Protagonizado por Agildo Ribeiro, no papel de um marido atacado de satiríase compulsiva que, apanhado em flagrante pela mulher, promete a esta não se deitar na cama com nenhuma outra. No elenco, alguns nomes femininos já bastante conhecidos do público: Irene Stefania, Isabella e Irma Alvarez. Vê-se que não existem mais tabus no cinema brasileiro: há uma freirinha que se despe e parte para cima do herói; noutra cena, é êle que não hesita em possuir à fôrça uma paralítica. Tudo isso faria vislumbrar um futuro maravilhosamente civilizado, não fôsse a censura, que, como de hábito, trota atrás do tempo.
Mas o que interessa deveras nesta produção é a 2ª cama, o episódio dirigido e interpretado por Daniel Filho. É aquêle que, em grande parte, garante o sucesso de bilheteria da fita. Não fossem alguns toques ainda amadorísticos, estaria no nível de Os Paqueras.
Malandragem-molecagem-camaradagem. Extrato altamente humano de uma fatia da realidade carioca. A curriola dos "duros" e a filosofia desenvôlta do um por todos e todos por um. O protagonista, vivido em boa caracterização por Flavio Migliaccio, tange, de bar em bar, as cordinhas do seu instrumento musical para receber alguns trocados dentro da caixa de charutos. É tímido, mas consegue atrair a simpatia da mulher bonita sentada no banco da Avenida Atlântica (Glória Carvalho). A partir daí, será uma odísséia de golpes e bolações malandras, concretizadas pelos seus três companheiros (Daniel Filho, Milton Gonçalves e Cláudio Cavalcanti), a fim de que possa levar a moça ao cinema, pagar o jantar dos dois no restaurante e o hotel onde passarão a noite. Existem momentos hilariantes de humor "grosso", mas que não deixam de ser inteligentes, em especial aquêle quando o trio tange a Malagueña em volta do freguês no mictório. As façanhas incluem também umas partidas de sinuca com o craque capaz de fechar o jôgo. São cenas bem construídas, apesar de pequenos defeitos nos lances ou a maneira de empunhar o taco, discerníveis para quem conhece o assunto. Nessa parte, as sequências são valorizadas pela atuação de José Lewgoy, provavelmente ainda o maior ator do cinema brasileiro (pelo menos, aquêle que mais desembaraço e estar possui diante de uma câmara).
A Cama ao Alcance de Todos é um filme leve, divertido, com algumas passagens realmente bem feitas no 2º episódio. É o cinema brasileiro ao alcance do público, o que, se não é importante no tocante a êste filme em si, evidencia a importância da comunicação com as platéias, sem protecionismos oficiais, a refletir o verdadeiro desenvolvimento.
Correio da Manhã
15/08/1969