O Circo, de Chaplin, vai voltar. A notícia de que Charles Chaplin resolveu promover o retôrno de uma das suas obras mais famosas é das melhores. Aliás, não deveria ser apenas O Circo. Por que não Luzes da Cidade, Tempos Modernos, Mousieur Verdoux, Em Busca do Ouro? Aliás, de várias partes do mundo começam a se intensificar as cartas endereçadas a êle no sentido de que libere as suas fitas para exibição - o que é natural, pois já é tôda uma geração que fica sem acesso à parte mais importante da filmografia daquele que, possivelmente, ainda pode ser considerado como o maior criador do cinema. Pois, com a exceção de Monsieur Verdoux e do próprio Circo, todos os outros três filmes citados acima já enfrentaram com galas a prova da erosão do tempo. Aqui, no Brasil, Luzes da Cidade, por exemplo, foi exibido comercialmente, pela última vez, em fins de 1951 - em suma, há quase 18 anos. Isto quer dizer que quem possua menos de 35 anos dificilmente teve ocasião de avalisar um dos pilares da história do cinema. Na época de sua reprise, a platéia do cinema Vitória foi também palco de manifestações de aplauso e emoção a rir ou a chorar com o personagem mais catártico que já houve na tela, com os recursos de um cineasta que foi dono de intuição fabulosa. Em 1956, aconteceu quase o mesmo, quando da reprise de Tempos Modernos, que, tal como Luzes da Cidade, apresentava cenas rigorosamente antológicas, sob o aspecto lírico ou de comicidade. Isto quer dizer que quem não tem cêrca de 30 anos dificilmente encontrou oportunidade de apreciar Tempos Modernos. E, no tocante a Monsienr Verdoux, o caso ainda é mais drástico. A fita foi lançada entre nós por volta de 1948 e jamais foi reprisada. Trata-se da última grande obra de Chaplin, pois Limelight, surgida alguns anos depois, já iniciava o declínio. E Monsieor Verdoux, que ensejou um notável ensaio de André Bazin, na Revue du Cinéma, se consiste num dos filmes mais inteligentes, cínicos e amargos de um Chaplin anticarlitos, que levava o seu desespêro ético a situações dotadas do paradoxo mais cômico ou cruel. Ora, se essa fita não volta à tona há cêrca de 21 anos, só quem esteja chegando aos 40 teve a chance de vê-la.
As gerações de 1940 e 1950 necessitam do acesso a um tipo de cinema, extremamente pessoal, impossível de ser reproduzido em todo o seu teor, pois, o mesmo cinema, como máquina do tempo, marca uma época e - mais do que isso - uma determinada tendência espiritual expelida dos últimos decênios. E o que ocorre com outros clássicos do cinema – recentemente reprisados - como The Great Waltz ou Maytime. Portanto, que volte Chaplin, e, principalmente, Carlitos, o vagabundo lírico, cujos longa-metragens antológicos chegaram a irispirar poemas, também, antológicos, de um Drummond ou de um Maiakóvski.
Correio da Manhã
17/06/1969