jlg
cinema

  rj  
Deserto rosso

Deserto Rosso é uma fita que nos chega com atraso de alguns anos e, isto, pesa na sua apreciação, no relacionamento com outros filmes do mesmo ano. Basta lembrar que, já há cêrca de dois anos, assistimos a Blow Up, realização de Antonioni, rodada na lnglaterra, posterior ao mesmo Deserto Rosso. E existe uma diferença sensível no espírito de quem fêz essas duas obras. A penúltima é o fim da fase da fossa, tangida sob o experimentalismo cromático. A última, já é uma abertura foto-hippie-felliniana dentro de uma nova estética que o cineasta italiano vislumbrou, onde e permanência de sua temática adquire novos elementos, ao lado do apêlo ao espetáculo do conhecimento.
O rigor de Antonioni era implacável e, além do tema da fossa, forjou todo um período para o cinema italiano. Os seus primeiros filmes -
Cronaca di un Amore, I Vinti, La Signora Senza Camelie, Le Amiche, além do episódio de Amore ln Citá - eram menos importantes, embora fôsse possível notar a tendência de um só motivo anedótico. O cineasta da decadência, da degenerescência do couple, da carência de comunicação entre as pessoas que vivem juntas. Porém, só em 1957, a partir de II Grido, iniciou-se o período importante. Essa fita, apesar das tonalidades mais quentes de pungência, já apresentava a tendência para aquela concepção de tempo cinematográfico e que foi qualificada como "os tempos mortos", quando uma espécie de sensação de vacuidade rítmica, proporcionada pelo aspecto superficialmente estático das imagens, gerava o dinamismo intrínseco da formulação do comportamento humano. Posteriormente, Godard (desde A Bout de Souffle) viria ainda melhor dinamizar o estar dos personagens, mediante novas concepções de montagem e do mecanismo do jôgo de campo e contracampo, dispensando, para isso, a obrigatoriedade do filme de uma nota só. De qualquer forma, L'Avventura, La Notte e L'Eclisse passaram a compor uma trilogia famosa, levando à glorificação do método Antonioni. Abolia-se o cinema simbólico, ou seja, um cinema de metáfora dos gestos e detalhes, em favor da concentração objetiva, do rigor implacável da visualização monocórdia. Nesse sentido, a trilogia fez, dele, uma espécie de João Cabral de Melo Neto do cinema - analogia, diga-se, puramente estrutural e, nunca, temática, embora, no desfecho do Eclipse, o vazio, a morte definitiva do tempo, fizesse-o imergir na concreção do documentário seco – o nada, ou a simbologia radical do vazio.
Deserto Rosso marcou, nó entanto, um retôrno ainda mais concentrado ao estudo do comportamento neurótico (papel onde Monica Vitti se enfia como numa luva, embora o hábito do espectador com a atriz prejudique um pouco o interêsse sôbre as reações, pois ela não é proteiforme). A câmara, mais ainda do que em L' Avventura, persegue-a, cerca-a ininterruptamente, ressalvado sempre o distanciamento intelectual de Antonioni, que, raras vêzes, assume a posição do personagem, que olha para o exterior. Restaria indagar se, depois de tantas peripécias neuróticas, segundo a compressão rigorosa do filme de uma nota só, caberia nova incursão, haveria novas coisas para mostrar ou formular.
O único elemento nôvo, em térmos estruturais, a que Antonioni recorreu, foi a côr, tratada realmente de modo experimental, com alguns efeitos fascinantes. Usa de propósito um tom acinzentado, enevoado, com raros contrastes de tonalidades vivas. A côr transforma-se em suporte visual para o conteúdo, da mesma maneira que os ruídos irritantes da fábrica, aliados aos trechos com música eletrônica. A única sequência onde a côr ganha seus timbres naturais é aquela que ilustra a história da menina, narrada por Monica para o filho.
Antonioni apelou para todos os suportes do espetáculo, com o objetivo paradoxal (aparentemente) de destruir o mesmo espetáculo. Consciência não-contraditória de que o cinema, como de resto, tôda arte ou artesanato, é técnica. Com isso, além do bom desempenho de Monica, faz uma fita quase sem jaça, consoante a proposição. A conter, inclusive, algumas imagens bonitas, sendo que o nexo cromático, sob a dominante cinza, faz lembrar a textura de um pintor, como Morandi. Mesmo no que se identifica como natureza morta - pois, para o cineasta, a vida (pelo menos o aburguesamento capitalista) reduziu-se a isso: natureza morta, onde os próprios sêres viraram coisas de um processo deletério.
A falta de arremate dramático ou anedótico, que o público estranha, obedece friamente à lógica: não interessa saber se a mulher, ao fim, irá ou não ao suicídio, interessa tão somente constatar, quando muito, diagnosticar com sutileza. Eis a presença da fábrica e a su·a consequência: o deserto rosso é o inferno que fabricamos para nós mesmos.

Correio da Manhã
13/06/1969

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

562 registros
 
|< <<   1  2  3   >> >|