O Cangaceiro Sanguinário, basicamente, é mais um filme de paixões e de aventuras. Mas, não deixa de trazer em seu bojo algumas pitadas de conjuntura social, a apresentação nua e crua dos métodos "legais" usados, na época, para combater os bandidos. Aliás, houvesse mais cuidado no roteiro, melhor estruturação e economia de cenas desnecessárias, poderia tornar- se uma obra bem expressiva. Quanto "a isso, vale inclusive se reportar à consecução de fatores mais superficiais porém que evidenciam um certo desleixo de execução. Por exemplo: em determinada cena dentro de uma tenda de pano o capitão Jagunço tenta com tôda a violência possuir Flô chegando a dilacerar-lhe o vestido; mas na cena seguinte o mesmo vestido aparece impecável - coisa que não ocorre quando no desfecho surge de vestido encarnado após haver sido estuprada pelos quatro cangaceiros na hora em que, eufórica, tomava o proverbial banho, nua, no lago. Idênticamente, os intérpretes não ajudam a dramaticidade das sequências: Maurício do Valle, imortal como o primeiro (não o segundo) Antônio das Mortes, de Deus e o Diabo na Terra do Sol, está aqui esquemático, quase caricato e com uma estampa física que já lembra a de Carlos Imperial, antes da Ilha Grande; John Herbert faz fôrça, mas não transmite um quinto sequer do desejo de vingança de um prefeito que, além de ver a sua cidade saqueada e ter sido obrigado a se arrastar, amarrado à sela de um cavalo, vê a sua mulher ser roubada pelo Capitão Jagunço; Isabel Cristina, além de exibir o corpo, faz cara permanente de chôro ou fúria, sem muita convicção; o melhor ator, Jofre Soares, tem participação numa única cena, enquanto Carlos Miranda está razoável como o tenente Lázaro. Isso tudo não implica em dizer que os atores criticados estejam péssimos ou ridículos (como ainda ocorre em fitas, aliás não só nacionais), mais que lhes faltou um pouco, um mínimo de sarro para os papéis.
Feitas as restrições, cabe reconhecer que esta produção - até certo ponto despretensiosa e sem contar com o desvario promocional que cobre outras fitas brasileiras - atinge nível bastante razoável e, embora em plano inferior, vai, como Os Paqueras ou Copacabana Me Engana, ajudando a compor o feijão com arroz do espetáculo puro, da comunicabilidade com o público, tão necessária para que se firme a nossa indústria cinematográfica. O Cangaceiro Sanguinário pode até ser tachado de primário em alguns aspectos de sua fabulação, mas a realização em si supre várias lacunas e o conduz a um nível nitidamente superior a inúmeros representantes do enxame de westerns italianos que assolam os cinemas em todas as partes e, quiçá, algumas produções americanas.
A sequência inicial rende, mais uma vez, homenagem ao Cangaceiro, de Lima Barreto, com aquelas pessoas andando lentamente em fila por sôbre os recortes que os contôrnos das colinas fazem contra o céu. Mas, logo depois, na chegado à pequena cidade, muda-se bruscamente o tom de balada: o enterro era uma farsa, da rêde onde estariam os corpos escorrem fuzis e pulam cangaceiros. Ação, violência, estupro. Filma-se uma cena de estupro com bastante crueza sem timidez. A partir de então, pode-se observar inúmeras vêzes a agilidade de angulação da câmara, sempre procurando perspectivas instigantes, evidando fornecer detalhes sugestivos ou mesmo daqueles que reforçam a crueza de cenas de violência, morticínio e erotismo rasgado. O appeal comercial é evidente, dentro disso, mas tais cenas ganham validez natural dentro do contexto. Há cenas de montagem, com corte rápido, entre cenas paralelas, muito boas. A passagem logo após Flô haver sido possuída no rio pelos quatro bandidos, quando todos estão despidos e a câmara foca as roupas secando ao Sol, é bem sacada. Da mesma forma, a execução de Jofre Soares, feita pelos "macacos", sob o comando do tenente Lázaro. E é isto Cangaceiro Sanguinário: troar de tiros, sangue esguichando de todos os lados, seios saltando de blusa, berros, correrias, tudo sob a direção de Osvaldo de Oliveira, num filme que poderia ainda ser bem melhor não fôsse o esquematismo do roteiro.
Correio da Manhã
21/06/1969