O filme, de saída, pode pegar o espectador desprevenido e surpreendê-lo em seu condicionamento. Aquilo que, mais ou menos, durante a primeira meia hora, dava a impressão de se tratar de uma simples comédia cínica, passa a ganhar concentração e densidade quase inusitadas, transformando Grazie, Zia numa das surprêsas mais agradáveis dadas, nos últimos anos, pelo cinema italiano. Pensa-se logo em I Pugni in Tasca, de Marco Belocchio, com a mesma morbidez, violência e iconoclastia, e também por causa de ser o protagonista vivido pelo mesmo ator (ótimo) em ambos os filmes: Lou Castel. Mas, aqui em Obrigado Tia, o espírito de destruição, a denúncia furiosa (embora antidiscursiva) da alienação, vai às instâncias mais exasperantes.
O diretor Salvatore Samperi, de 23 anos, surge logo de estréia como uma revelação rara. E consegue um êxito de fato; rigorosamente na idéia do metteur- en-scene, do diretor de atôres, quando, na segunda metade, girando praticamente em tôrno dos dois protagonistas, em seu jôgo erótico, sadista, masoquista, obtém um rendimento máximo da conduta de ambos: Lou Castel, o jovem, que renuncia ao seu meio, fingindo-se paralítico, e Lisa Gastoni, a tia dêle, psicanalista, cujo aparente equilíbrio emocional vai romper-se em holocausto primitivo, ao se submeter inteiramente às pseudofantasias do rapaz. Lisa, em excelente interpretação, faz recordar a Jeanne Moreau dos melhores filmes.
No dueto delirante praticado pelos dois personagens, dentro do casarão - um balê destruidor, mutuamente punitivo, que se encerra no ritual da eutanásia - Samperi não nos invoca tão-somente I Pugni in Tasca: o desenvolvimento do duo lembra-nos em muito aquêle outro, também magnífico, de Baby Don, de Elia Kazan, praticado por Eli Wallach e Carroll Baker. Aqui como "lá, a alegoria, a sensação de importância, dentro das variações de tema e ambiente, conduzem a um paroxismo do purgar pela alienação. O que causa espécie é a firmeza de um jovem cineasta para, logo em seu primeiro filme, obter aquilo que poucos mestres experimentados conseguem.
Não só êste instigante Grazie, Zia, mas o mencionado Belocchio, o Bertollucci, de Prima della Rivoluzione (considerado, no cômputo do Cahiers du Cinéma, o melhor filme lançado na França em 1968), Francesco Rosi e, enfim, a guinada radical de Pasolini, com Teorema, evidenciam o surgimento de um nôvo cinema italiano, que já ultrapassou o neo-realismo tout court, o esteticismo de Visconti ou o objetivismo dos tempos mortos de Antonioni (Fellini, hors-concours, é o Chaplin da Itália).
Correio da Manhã
14/05/1969