The Persecution and Assassination of Jean-Paul Marat as Performed by the lnmates of the Asylum of Charenton under the Direction of the Marquis de Sade - o título quilométrico e original de uma das peças mais importantes do teatro moderno. Um teatro político, um teatro dialético, onde o espetáculo informal das idéias e sensações substitui a linearidade formal do drama clássico. E, na infra-estrutura dêsse fluxo dialético, é também o teatro sôbre o teatro, com o teatro dentro do teatro.
Não caberia, dentro de uma crítica de filme, alongar-se mais a respeito das implicações amplas de uma obra, como essa de Peter Weiss. Vale opinar a respeito da adaptação cinematográfica em si, embora esta última, também evidentemente, envolva o sentido da peça. O que na estética moderna já se compreende como obra ou estrutura aberta, em contraposição às estruturas fechadas, onde o ponte de vista subjetivo do criador controla tudo, tem em Marat/Sade um exemplo vivo. Weiss concebeu uma espécie de teatro-mobile, onde, ao contrário da mera superficialidade dos cenários móveis, tal concepção funda-se no comportamento probabilístico dos atôres. No caso, fazem a representação da própria representação, operada por psendolunáticos, sob a pseudodireção de um dos maiores nomes da Literatura, o Marquês de Sade – para quem, aliás, numa corroboração isomórfica com o sentido geral da peça, vida e arte eram a mesma coisa. O objetivo cênico é um só: apresentar o assassinato de Marat (o líder mais radical da Revolução Francesa, aquêle, cujas idéias, a grosso modo, traduziam uma espécie de comunismo avant la lettre) por Carlota Corday. Daí, o eixo temático do mobile: contrapor as pecsonalidades fortes de Marat, o coletivista, e Sade, o individualista. O primeiro desejava a destruição pura e simples do indivíduo, em favor da igualdade eterna dos homens; o segundo só desejava a destruição do individuo porque a falta de autoconhecimento impede-nos o discernimento entre o bem e o mal e, assim, que se atinja à ratio vital, à ética suprema. O torneio dialético, contrapontuado pela ação dos loucos, dentro e fora do espaço ficcional, permite várias opções ou interpretações, não só das tendências do próprio autor, como também submetidas ao tratamento da direção. Mas de uma coisa o mesmo Weiss não podia escapar, consoante um delineamento geral: Marat só tinha certezas, enquanto Sade agia em função das dúvidas. E é esta última atitude que corresponde à visada geral do problema ético-estético-dialético. Por isso, paradoxalmente, Sade é sadio; e a peça precipita para o início do Século XIX aquela fusão primitiva do marcusianismo, ou seja, Marx (Marat) e Freud (Sade).
O diretor Peter Brook, que Ievou a peça em Londres e na Broadway, realizou o filme e, curiosamente, atirou-se mais à introspecção do que ao espetáculo em si. Mesmo assim, quanto à movimentação cinematográfica, valem como sequências isoladas, o pesadelo de Marat e o finale, com as evoluções dos loucos. O uso da côr é eficaz, os atôres excelentes em geral e, por seu turno, um filme sôbre o teatro-sôbre-o-teatro não deixa de provocar especulações interessantes.
Correio da Manhã
09/05/1969