jlg
cinema

  rj  
Pasolini: Teor & Tema

A partir do neo-realismo, que eclodiu no pós-guerra, o cinema italiano, conforme a especulação dos grandes cineastas, foi abrindo-se num leque de várias tendências: Rosselini, o despojamento, o semidocumentário; De Sica, a recorrência da linha Chaplin-René Clair, para fabular o cotidiano de personagens e situações simples; Visconti, o esteticismo, a pesquisa plástica, estudos sobre a decadência; Fellini, ao contrário de Visconti, não- racionalista em seu barroquismo, passando pelo cristianismo chaplinesco até chegar aos eflúvios surrealistas na formulação de um mundo paranormal; Antonioni, seco em estilo, o descobridor dos “tempos mortos” em sua antisimbologia, o perquiridor da neurose e dos vazios existenciais do couple na alta burguesia.
Agora, Pasolini (Pier Paolo), ao mesmo tempo, suma e revolução. Comunismo & ética, misticismo & homossexualismo. Primeiro, escritor; depois entrou no universo do cinema, como roteirista (La Notte Brava, etc.), até ter saltado para a direção. Além disso, teórico do filme (O Cinema de Prosa e o Cinema de Poesia, etc), aplicando, inclusive, questões de semiótica. Antes de Teorema, conhecíamos três fitas suas: O Evangelho Segundo São Mateus (despojado, quase que fruto direto da técnica neorealista ou rosseliniana, convincente no método de apropriação, é - até agora – a melhor vida de Cristo do cinema); Gaviões e Passarinhos (parábola simplória e frustrada, com a caminhada de Totó e do menino, numa via de milagres e revelações - motivo muito melhor retomado por Buñuel, em sua recente e inesquecível Via Láctea); Édipo Rei (tragédia grega, com duas reverberações de tempo no Século XX, época do fascismo e de hoje, interpretação da lenda e do mito em têrmos políticos, realização desigual, porém com alguns trechos fascinantes).
Mas é Teorema a verdadeira explosão, inclusive como rarefação de métodos e técnicas, a fim de formular a ruptura total com filosofias adquiridas e um conceito de civilização cristalizado. Fim do sistema cristão ou comunista (ético ou político), como formas de conhecimento ou fórmulas de diagnóstico, até certo ponto adotadas anteriormente por Pasolini. A destruição da razão. Ruptura, choque, escândalo: "Deus é o escândalo", disse o cineasta a propósito de seu filme. A começar pela desmitificação da idéia de pecado original, pois o anjo inocula a sua revelação, em pessoas de ambos os sexos, mediante o próprio ato sexual.
"Fôrça é mudares de vida" – Torso Arcaico de Apóio (Rilke via Manuel Bandeira) - o filme da procura. O anjo injetou o horror no conformismo, ao dia a dia de sordidez e de humilhação do homem. Uma visita à família de Milão, numa espécie de episódio bíblico moderno. Com recorrência à passagem do príncipe: "é mais fácil um camelo passar por um buraco de agulha do que um rico entrar no reino dos Céus." O industrial, Massimo Girotti, entrega a fábrica aos operários, despese na gare e dispara, nu, pelo deserto simbólico, emitindo um berro lancinante. A sua filha começa a definhar e morre com uma das mãos cerradas. O filho, antes de partir, tenta a pintura - "descobrir novas técnicas para esconder o vazio" - até aquela mais primitiva de tôdas: urinar sôbre a superfície azul da tela. A mulher (Silvana Mangano) faz o trottoir motorizado, na procura tenaz do reencontro com o anjo (Terence Stamp), em cada jovem que convoca. Enfim, a empregada volta para a sua cidade do interior, suas faculdades páranormais ganham imenso desenvolvimento, opera milagres, faz levitação e termina por pedir que fique enterrada viva, só com os olhos de fora.
A restrição quanto ao misticismo de Pasolini não procede, mesmo em têrmos de fundamentação revolucionária, se levarmos em conta que, tal como qualquer outra atitude, êle traduz uma forma de conhecimento. Materialismo e misticismo, usados dogmaticamente - aí sim - impedem a dinâmica do ato de conhecer, investigar objetivamente, e se transformam em duas enfermidades estruturalmente idênticas. A operação dialética será sempre a de dúvida, nunca aquela do dono da verdade. Por isso mesmo, Deus, ou a informação nova, cujo canal é desconhecido, pode ser sinônimo de escândalo. Teorema é uma informação nova de um filme didático e radical, sem o ser ou se mostrar autodeclaradamente. Tudo é maturação. Desde a estabilidade arquitetônica das imagens, até o tom pausado e contido, dominante nas sequencias, apesar do teor radical dos acontecimentos, apenas rompido na imagem do desfecho. As côres mortas, com alguns grandes momentos plásticos, como a cena de Silvana Mangano na Igreja, ou Laura Betti sendo enterrada vida na alvorada.
Os atores mantêm a unidade do conjunto: Terence Stamp, Silvana Mangano, Massimo Girotti, Anne Wiazemski, Laura Betti, Andres José Cruz, Alfonso Gatto. Teorema obteve o Grande Prêmio do OCIC, que provocou impasse e crise no âmbito católico, acarretando, inclusive, um artigo violento do Osservatore Romano. Foi exibido hors-concours no III Festival Internacional do Filme, realizado aqui no Rio de Janeiro.

Correio da Manhã
18/11/1969

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

562 registros
 
|< <<   1  2  3   >> >|