O grande desenvolvimento tecnológico do Século XX provocou, de pronto, o anúncio da era da especialização. Isto ainda se intensificou mediante o incremento to ensino técnico-científico. Em suma, seria muito difícil um nôvo Leonardo Da Vinci – a época exigia cada especialista, uniformizado ou não, em seu escaninho próprio, dentro do grande fichário das atividades humanas. Nada de ficar pulando de especialidade em especialidade, mesmo a preço de muitos se olharem no espelho e verem um Josehp K.
A amplitude das formas de conhecimento não permitiria a ninguém tentar empalmar o mundo e o seu processo. Os escritores e artistas entravam na timidez diante do acúmulo de novas ciências: psicologia, sociologia etc. & etc. Balzac passava a ser desnecessário, pois quem escrevesse realismo não dispunha do saber a respeito do instrumento cientificamente adequado para se olhar os fatos e dissecar o comportamento humano. Enfim, muita gente, até com bastante dose de pieguice, despejou laudas e laudas sôbre o apocalipse do indivíduo e das sociedades assoladas pelo progresso. Êste seria até o demônio, enquanto os tecnocratas, os burocratas ajoelhavam-se aos pés do nôvo Deus.
Nem Deus nem demo. A idéia do funcionalismo, que decorre inclusive da grande faixa filosófica aberta pela teoria da relatividade, demonstra, inclusive, que a técnica pode ser tudo, mas dentro de um determinado campo correlato de ação. O indivíduo encerrado entre os espelhos de sua especialização perde a visão global do processso, acabará perdendo até a noção do aspecto funcional de sua competência: terá à mão sempre a pinça, nunca o farol ou, sequer, um mísero flash-light.
E, sem isso, sem o norte, pode ter má sorte de se submeter, em grupo, a um não-especialista expert em se transformar em ditador. A história recentíssima mostra exemplos disso. Fritz Lang pouco antes da glorificação suicida de Hitler, fêz Metropolis. Na União Soviética, o sonho utópico do comunismo tornou-se miséria do burocratismo, onde, inclusive, para o escritor e artista a especialização temática é obrigatória.
Não se nega o que a palavra especialista ou especialização pode significar, de nôvo funcionalmente, como a consciência de cada indivíduo do alcance de seu instrumento principal de trabalho e/ou criação. Estar consciente é ser profissional. Mas êsse instrumento não pode também ser uma coisa ou entidade isolada, avêssa ao relacionamento com outros fatos e instrumentos. É o auto-sacrifício da liberdade, que condiciona a objetividade para o estar no mundo. Ou dizer: sou especialista – fecho-me em meu escaninho – atiro. O tiro sai pela culatra.
Correio da Manhã
16/10/1970