Vários críticos, como o da revista...
Vários críticos, como o da revista Playboy, foram bastante acres com relação ao ultimo Godard, Le Gai Savoir. A própria entourage do cineasta, na França, nãoi foi tomada por aqueles estertores de entusiasmo. No Festival de Berlim, no ano passado, a fita recebeu algumas palmas entre muita frieza. Parece que acabou o encanto, os atestados de genialidade despertados por fitas, como A Bout de Souffle, La Chinoise ou Pierrot Le Fou. No entanto, mutatis mutandis, muito pouca coisa desiguais Le Gai Savoir de realizações suas, como, além do já citado La Chinoise, Masculin Féminin, Made in USA, Deux ou Trois Choses que Je Sais Delle, que, em contraposição, mereceram tratados sobre o gênio ou a originalidade do cineasta. Lá estão, em Le Gai Savoir, todos os ingredientes, como as entrevistas, Brecht ou o teatro Kabuki, e até Jean-Pierre Leaud. Qual a razão do antifenômeno?
Em torno disso há muito respeito à invenção, informação nova & redundância, repetição do processim espetáculo e especificidade da linguagem cinematográfica. Godard é, sem dúvida, não só um dis grandes inventores do cinema moderno, como de toda a história dessa modalidade de criação industrial. Mudou regras de montagem, revirou, desde seu primeiro filme, A Bout de Souffle, as leis do campo de contracampo, deu novas características ao diálogo, introduziu a entrevista na fita de ficção, conferiu outras dimensões ao comportamento (o estar) do ator, enfim praticou incessantemente, como ninguém, o metacinema, isto é, o filme sobre o filme, o filme que se critica e se suto-redefine quase de sequência a sequência. E depois? Ou melhor, e agora? Comprometido com a invenção constante, começou a pifar desde One Plus One (realização plenamente desnecessária em sua carreira), tentou o pulo da inauguração da linguagem (só com linguagem nova se faz revolução) em Le Gai Savoir, chegou a apagar a tela, mas ficou no meio do caminho do impacto da informação nova. O processo era redundante. E ele, estritamente inventor, descomprometido com a valorização material da obra, perde terreno quando perde a capacidade de surpresa. Ninguém é ferro, um dia pára.
Vale notar: o cinema é a única forma de criação estética onde a invenção de materiais corre quase que paralelamente à invenção de elementos. Da lanterna mágica ao Cinerama houve muito menos do que um século. O desenvolvimento material (a partir da constatação óbvia de que, quanto maior proporcionalmente for a tela, melhor será a fita) não tomado em conta conduz à alienação. Isto, talvez parcialmente, explique a possível exaustão de Godard, na mesma hora em que Kubrick, com 2001: Uma Odisséia no Espaço, demonstrava a que ponto de impacto encantatório pode chegar o cinema – coisa que a TV deve esperar um século para obter. No caso desta realização de Kubrick, sequer pode-se falar simplesmente em invenção: o que sobrepaira é a oportunidade não perdida de somar os recursos materiais e virtuais (elementos) até então existentes para o filme em função do auge da informação estética. Sem falar em dados colaterais, como a capacidade de trazer questões epistemológicas da maior importância a nível do consumo.
A défaillance dos ultimos filmes de Godard pode também refletir mais uma denúncia de busca ao paraíso perdido. Afinal, a metalinguagem existe porque existe a própria linguagem e, não, viceversa. Senão ninguém ainda hoje em dia estaria falando “alô”, “bom dia” ou “me dá o lume”. Senão já inexitiria melodia, ninguém assobiaria, Senão já não valeira a pena continuar pondo o setentão John Wayne em cima de um cavalo, a dar tiros pra todo lado. Já teriam alvejado o próprio espectador.
Correio da Manhã
05/02/1970