A partir da semana que vem, a Cinemateca do Museu de Arte Moderna, inicia uma retrospectiva do neo-realismo. Faltam alguns títulos importantes entre os filmes que se conseguiu selecionar: fitas precursoras, como Obsessão (Osessione), o maior filme até hoje de Visconti, ou Um Dia na Vida (Un Giorno Nella Vita), de Alessandro Blaseti; obras, como, Roma, Cidade Aberta, de Rosselini (de quem, entretanto, será possível ver Paisà, com dois ou três episódios notáveis), E Primavera, de Renato Castellani, ou O Bandido, de Lattuada, melhor representante, para o caso, do que O Capote, baseado em Gogol. Mas lá estarão, de volta, os três grandes clássicos de Vittorio De Sica: Ladrões de Bicicleta, Umberto D e Milagre em Milão! (este último, bem na pauta de Chaplin e René Clair, mais desigual e menos "neb-realista" do que os outros dois).
O neo-realismo já virou 'capítulo ultrapassado da história. Hoje, já pode ser visto com olhos menos emocionais e mais culturais, museológicos. Mas, logo no pós-guerra, foi um cinema fabuloso de impacto, choque e denúncia. Não só o cinema italiano saía de uma certa modorra, sob o domínio dos grandes filmes históricos, de Blaseti, ou de Genina, romance e aventuras, como o próprio cinema em si recebia uma contribuição temática e estrutural. Questões sociais profundas foram agitadas: a miséria, os efeitos da guerra, a luta do operário, a solidão da velhice, o meretrício - assuntos tidos como anticomerciais. O verdadeiro realismo fílmico apresentou sua dimensão, com as filmagens in loco, o uso de atôres não-profissionais e os primeiros vagidos da dialética básica do cinema moderno, aquela entre a técnica do documentário e da ficção. Começaram a chover os prêmios em festivais: De Sica, Rosselini, Visconti, Germi, Castellani conheceram a glória junto à critica especializada e, até mesmo, o público, que passou-a se adaptar e a aceitar o novo estilo. Isto, é claro, trouxe os fatôres contraproducentes da praxe. Principiou a germinar um desprêzo exagerado e esnobista ao cinema americano que sempre foi (e parece que sempre será) o cinema feijão-com-arroz. Surgiram os êmulos e diluidores, a imitar os mestres com uma subtécnica do desleixo intencional, que não conduzia a nada. Mas ficou a grande lição de apreensão do filme, como instrumento de captação do comportamento, o estar do personagem - e, não, um ser predefinido – que a nouvelle vague, depois, Godard à frente, levaria a consequências, estruturalmente ainda mais drásticas e instigantes. Ficará também do neo-realismo a faixa máquiria do tempo da sétima-arte, o espírito com que se enfrentava o horror e a miséria dos efeitos da guerra, a repulsa ao fascismo e a qualquer regime idêntico que animecaniliza o homem. A superação fatal do neo-realismo, na própria Itália, conduziu à ascendência de outros grandes cineastas, já aí com a maturidade da técnica. Não seria possível continuar sempre o mesmo estilo: De Sica entrou em decadência acelerada, Rosselini, mais intelectual, disparou para várias experiências, algumas com êxito, outras decepcionantes, Fellini, instaurou, o seu cristianismo chaplinesco que foi evoluindo para o delírio barroco. Visconti ampliou o seu esteticismo, Antonioni inaugurou o seu realismo antiliterário dos "tempos mortos", da rejeição ao simbolismo e o estudo do comportamento neurótico da alta burguesia, expremida pêlo tédio e pelas contradições sociais. Enfim, a geração mais, nova, dos Rosi, Olmi e Bellochio, levando a linguagem cinematográfica a novos caminhos. Mas aí está o neo-realismo, de retôrno ao Museu de Arte Moderna, para quem quiser ver ou rever a grande. arrancada.
Correio da Manhã
13/03/1970