Em reprise, no Paissandu Le Bonheur, de Agnes Varda, talvez o filme mais aceito pela diretora da geração Resnais. Depois de uma fase no curta-metragem (entre os quais se destaca O Saisons, O Chateaux), ela imergiu no longa-metragem, com La Pointe Courte, tentou acertar em cheio com Cléo de Cinq à Sept, e, depois de As Duas Faces da Felicidade, fracassou rotundamente com Les Créatures. Num dos interregnos de filmagem, casou-se com o cineasta Jacques Démy (Lola, les Para-pluies de Cherbourg, Les Demoiselles de Rochefort etc), que reforçou a componente de aisance e sofisticação do par.
Le Bonheur motivou uma observação interessante de Décio Pignatári: "cromos estatísticos da felicidade'". Uma fita que flui com poucos diálogos, com intensificação cromática, às vêzes lembrando o espírito de Renoir, onde se acompanham os misteres e, principalmente, os lazeres de um operário, que vive feliz com a mulher e a amante, ambas louras, suaves, integradas no transe de Varda.
Nem a morte de uma delas, desaparecida possivelmente no lago do bosque, interrompe o fluxo de ventura, extraído dos prazeres mais simples, de uma nostalgia panteísta. Uma pequena ode pagã, talvez também uma pré-fixação positiva daquela idéia do lazer, de Engels, onde a poesia-ambiente robotiza o ser humano na integração total com a atmosfera física. Quem viu o inacabado (mas tão bem acabado) Une Partie de Campagne, de Jean Renoir, pode compreender porque é possível citá-lo, tanto a propósito de Agnes Varda, em As Duas Faces da Felicldade, como diante de um clássico absoluto do cinema, como Jules et Jim, de Truffaut.
Sem ser nenhuma obra importante, Le Bonheur é um modêlo de linguagem que instiga pelo modo original de forjar a batida poética.
Correio da Manhã
07/04/1970