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Topázio

Hitchcock – 1925-70 - 45 anos ensinando a ver e a escreviver com a câmara. Aí está a evidência novamente - com Topázio. Não só o estilo impecável, inconfundível. Não só o magister das soluções técnicas. Mas o desencadear de idéias, de sugestões, sem forçar qualquer etiquêta extra-estrutural. Tudo se resolve, nêle, em têrmos funcionais de cinema.
Numa obra já tão vasta, numa filmografia que conta com dezenas e dezenas de títulos, existem, certo, os filmes maiores e os menores – às vêzes o fracasso, como é, em nossa opinião, o caso de Rope com a experiência frustrada de ação filmica contínua - nunca, entretanto, a realização medíocre, despersonalizada. Existem as obras-primas, como Vertigo e Os Pássaros (The Birds), coisas extremamente fascinantes, como Psicose, Quando Fala o Coração (Spellbound) ou Disque M Para Matar ou fitas menos expressivas, às vêzes desiguais, mas nunca desprovidas do toque instigante, como I Confess ou A Cortina Rasgada (Torn Curtain).
Agora, como classificar Topázio? Literariamente falando, no gênero espionagem, Hitch já havia se exercitado inúmeras vêzes: exemplos como o das duas versões de O Homem que Sabia Demais (The Man Who Knew Too Much), Secret Agent, Sabotage, Foreign Correspondent (Correspondente Estrangeiro) ou North by Northwest (Intriga Internacional), entre outros, estão aí. Mas, talvez, numa demonstração incrível de maturidade e lucidez, Topázio supere a tôdas. Aqui, não se trata, até certo ponto, de uma preocupação com o desenvolvimento dinâmico do plot, inclusive com os morceaux de bravoure tão típicos do touch do cineasta. Inexiste um núcleo permanente de crescendo dramático; há, sim, na fluência do texto filmico, uma idéia que se amplia, ganha contornos, sem o socorro a recursos discursivos. Qual é essa idéia? Da miserabilidade política, da imoralidade dos meios que transformam o exercício do poder em uma cadeia incessante de atos desumanos. E, por onde chega a isto? Através do decalque do universo da espionagem, com a sua bôlsa de informações e contra-informações, a partir da adaptação de um romance de Leon Uris, baseado, por seu turno, em eventos reais.
Aqui, não há o espetáculo bondiano. Há o convite à análise - não inserida esta última no próprio processo de realização. Hitch expõe os fatos, desenlaça as sequencias e lega o restante à inteligência. Topázio é uma fita diferente da maioria das outras constantes de sua obra. Possui uma presentificação sêca, porém encantatória em muitas passagens. Não tem trechos antológicos, mas é, em si, a própria antologia do savoir faire. Ver logo na seqüência inicial, lenta, minuciosa, extremamente insinuante nos primeiros planos e na, projeção dos gestos dos personagens, a precisa formulação do episódio da fuga do funcionário soviético. Ou então, pequenos detalhes: o vestido roxo de Karin Dor, que se espalha com abertura de flor, no momento em que tomba morta, as gaivotas carregando os pães dos falsos sanduíches dos espiões, localizados na costa cubana.
Hitchcock, em matéria de política, espionagem e contrôle de informações, não deixa pedra sôbre pedra da suposta moral das nações em jôgo: russos, norte-americanos, franceses. Parece uma reedição mais sofisticada dos tempos dos Borgia, também aparente e esquematicamente mais civilizada, em virtude da frieza dos recursos tecnológicos. Tudo gira em tôrno da crise dos mísseis em Cuba e da descoberta de uma rêde de traição e contra-espionagem dentro do próprio govêrno francês, em favor dos interêsses soviéticos. Em paralelo, o aparelho de espionagem norte-americano não poupa nada, em função de descobrir os planos russos com relação a Cuba.
As cenas de desfecho dramático - suicídios, assassinatos, torturas, roubos, perseguíções - são construídas com um distanciamento intencional; anticatártico. Pouco para a emoção (a não ser a emoção estética do conjunto), muito para o intelecto. A sequencia mais movimentada (admiravelmente concebida) é aquela do Harlem, quando Phillipe Dubois (Roscoe Lee Browne) vai ao hotel tentar fotografar os documentos na valise vermelha de Rico Parra (John Vernon), o líder castrista. A câmara escorre, esbarra, salta por entre as pessoas, resvala nos closes ou recua quase em long-shot, na calçada, onde está Devereaux (Frederick Stafford), esperando o desenrolar dos acontecimentos.
Um elenco variado internacional, todo muito bem dirigido: Frederick Stafford - frio, metálico, intencionalmente inexpressivo - dá a medida do espião profissional - é mais um protótipo do que um tipo humano retratado. Dany Robin e Karin Dor - bonitas como nunca antes na tela - projetam-se no naipe feminino, enquanto Claude Jade pouco tem a fazer, a não ser ajudar a compor o fundo-família do protagonista. John Vernon vai satisfatoriamente no personagem de Parra, enquanto Michel Piccoli e Philipe Noiret vivem com extrema segurança as figuras de Jacques Granville e Henri Jarré. Lembrando de certo modo o estilo Conrad Veidt, PerAxel Arosenius está excelente como o soviético Boris Kusenov, assim como John Forsythe retrata precisamente o FBI ou CIA - man, Michael Nordstrom.
Topásio - que será certamente um dos maiores filmes do ano - constitui nova evidência da criatividade daquele que sempre foi um dos maiores cineastas do mundo: Alfred Hitchcock.

Correio da Manhã
22/04/1970

 
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