Cinema Leblon: 11 espectadores ao fim da sessão. Isto na era da comunicação. O nosso recorde, contudo, são as 3 pessoas, no Paissandu, enfrentando a Vida Provisória, embora outros atestem que uma fita anterior, de Júlio Bressane, Cara a Cara, tenha, por falta absoluta de espectadores, suspendido uma sessão do Palácio, na Cinelandia. Tal constatação nada tem a ver com o possível valor estético da obra de criação. Mas o cineasta, infelizmente, não pode esperar meio-século, como Mallarmé, Souzândrade, para chegar à glória da crítica. O transformismo da linguagen filmica é muito veloz. E o espetáculo?
Matou a Família e Foi ao Cinema: quem quiser diversão e relaxamento pode chegar no início da sessão, assistir ao trailer de My Fair Lady, depois espichar-se na poltrona e dormir. Quem tiver interêsse pelo cinema experimental vai resistir abnegadamente. Em primeiro lugar, por que a indigência técnica proposital? Por que uma cinegrafia a la Nilo Machado? Certo, o belo é o funcional. Mas isto não implica em aviltar os recursos materiais e, sim, na economia quantitativa dêles, consoante os propósitos expressivos. Existe o fusca e o impala, a pistola e a bomba H, o gramofone e a eletrola estereofônica. Cada qual tem sua função, e a comparação entre os meios não justifica que a mudança do fusca arranhe, que a pistola esteja enferrujada ou que a agulha do gramofone permaneça rombuda.
Navalha & Olho, na pauta de Buñuel, Julio Bressane assim inicia o antitranse da fúria teórica, já presente anteriormente em Cara a Cara. Filme e realidade se mesclam. O cotidiano é a miséria espiritual; a poesia só vem com a anormalidade. Lautréamont e Sade já exprimiram isso. Na fita as duas môças (Márcia Rodrigues e Renata Sorrah, bem exploradas plasticamente) trocam beijos, flôres e, ao fim, tiros. O diretor revive fragmentos do cinema mudo, tem alguns planos muito bonitos, especialmente os da seqüência final. Parece mostrar que sabe fazer cinema, porém, ainda não sabe o que fazer do cinema. Fica-nos, apesar das intenções opostas, a impressão do escapismo. Ou o saudosismo do cinema amador. Nas cenas de maior sangue e violência, entra o sublinhamento desdramatizante dos discos da Vêlha Guarda, por exemplo, Vejo Amanhecer, cantado pelo côro com Chico, Noel, Ismael, duas gravações de Carmem Miranda, Mário Reis, em Rasguei a Minha Fantasia, ou When I'm 64, dos Beatles, durante o solo de Márcia, em ballet com o sol e a natureza.
O incrível sentido de frustração não impede reconhecer que Julio Bressane procura um caminho extremamente pessoal e que, um dia, pode acertar em cheio. Quem viu Cara a Cara e vê Matou a Família tem a impressão de que o diretor odeia o cinema e é a êste último que quer destruir. Nãó é nada disso: é apenas o filme como autocrítica da própria linguagem. Resta tornar o pretexto convincente.
Correio da Manhã
15/03/1970