Depois de um período de muito som e fúria sem quase nenhum resultado, voltou a ponto morto a questão do cinema brasileiro, embora, à sorrelfa, retorne a ganhar corpo o projeto suicida da dublagem obrigatória dos filmes estrangeiros. Tal medida, sob o pretexto de maior campo de trabalho para técnicos nacionais, deve acarretar apenas dois fatores negativos, além dos prejuízos grosseiros de natureza estética: a diminuição da freqüência nos cinemas e, principalmente, a ainda: maior queda de público para as fitas brasileras, com o apêlo, do filme estrangeiro a uma parte de espectadores não habituada com outros idiomas e, mesmo, não-alfabetizada.
O maior inimigo do cinema nacional é (e cada vez mais será) o filme dublado na televisão. A comodidade de se assistir uma fita dentro de casa, alia-se também o crescente aperfeiçoamento técnico da projeção via TV. Isto sem falar que estamos entrando na era do filme-cassete, quando, para o futuro, prevê-se que o consumidor venha a ter em casa, ao lado das bibliotecas, filmotecas particulares.
Afinal, diante de inúmeros fatôres, a crise da indústria cinematográfica não é apenas nacional; é internacional. E, tanto cá como lá, não irá ser debelada com medidas distorcidas e gritos de ufanismo.
Também o problema do curta-metragem, que é da maior importância para a formação de cineastas, não irã se resolver em lances burocráticos ou estímulos sem base numa realidade de mercado, da criação ou atração de um público ainda desavisado. O quadro atual é desolador: expede-se um certificado especial aos curtos que passaram pelo exame de qualidade de uma comissão - tal certificado, todavia, jamais assegura a exibição da fita - resultado: grande parte das fitas (e algumas delas possuem nível excelente) mofa nas prateleiras.
Por que? Porque inexiste um público para isso. Inexiste uma política agressiva para tentar impor essa modalidade de fitas. O público só está condicionado ao jornal filmado, ao trailer e às produções publicitárias ou promocionais, recebidas estas últimas, em geral, sob o côro de bocejos. Quando entra no cinema e se vê obrigado a assistir mais um documentário ou mais um lento e minucioso passeio de câmara sôbre os detalhes arquitetônicos de Ouro Prêto ou do Mosteiro de São Bento, o espectador comum reage mal, por melhor que seja a obra, porque êle não estava prevenido, sente-se lesado.
Em decorrência, também a má-vontade do exibidor, aquela mesma má-vontade diante da obrigação de exibir filmes nacionais sem bilheteria, isto é, perder dinheiro. Sem agir sôbre a realidade adversa, sera quase inútil ao Instituto Nacional do Cinema emitir resoluções, formar e reformar comissões, "apertar" o exibidor - ate mesmo estimular o produtor.
Em lugar de legislar, por que não entrar direto na formação do mercado? O INC poderia, por exemplo, construir ou alugar salas e organizar programas de curtametragens, combinando alguns filmes mais criativos, "difíceis", com outros mais comunicativos. Há fitas que; certamente, atrairiam tanto o público em geral, como aquêle mais intelectualizado. Exemplo: um programa com as fitas de bom nível que foram feitas em tômo de vultos de nossa música popular, como Chico Alves, Lamartine Babo, Carmen Miranda, Pixinguinha, Orlando Silva, Nélson Cavaquinho etc. Ou aquêles documentários da decada de 1920, hoje reconstituídos.
Aí, sim, haveria possibilidade de transformar a realidade e conferir ao curto a projeção necessária. Caso contrário, prosseguirá o impasse muito cineasta e pouco público.
Correio da Manhã
06/11/1971