O desenvolvimento dos filmes-cassetes representa uma nova etapa do consumo estético. Daqui a pouco, vencidas as barreiras econômicas do acesso, o consumidor, em boa parte, em vez de ir às salas de projeções, reservará estas para sua casa, em ligação direta com os aparelhos de TV. Êle já recorre aos seus aparelhos para ver velhos filmes; além disso a programação é condicionada pelas emissoras. Com o filme-cassete, dar-se-á o contrário. Êste é adquirido para sempre e será programado à vontade do freguês, que, além disso, ao seu bel-prazer, poderá repetir cenas promover reprises à vontade. Quem sabe? até interferir na montagem da própria fita, pois há muita vocação, muito cineasta em potencial que considera inadequadas as soluções desfechadas pelos profissionais.
Em suma: nas residências particulares, ao lado das bibliotecas, começarão a ser instaladas as filmotecas. Qual o reflexo disso para as produtoras, para o cinema em si? E o romance? Resistirá de nôvo a êste grande golpe?
Por enquanto, as grandes produtoras de Hollywood, segundo o que se noticia, limitam-se em reverter ao cassete as realizações antigas; entre elas, aliás, já figura um clássico de John Huston, como O Tesouro de Sierra Madre, protagonizado por dois grandes astros já falecidos: Humphrey Bogart e Walter Huston - êste último, pai do diretor. Mas, diante da queda das arrecadações, da concorrência da televisão, talvez o filmecassete abra uma nova hipótese de luta de mercado e sobrevivência, embora diminua as características de impacto catártico do cinema, quando o espetáculo deixa de ser assistido por multidões, passa a ser fonte de lazer no chamado recesso dos lares. Estudos econômicos por seu turno ajudarão a elucidar até quanto será possível investir em produções reversiveis posteriormente a cassete, ou destinadas apenas ao consumo particular.
De qualquer modo, assiste-se a um outro turning-point na trilha do cinema. O filme-cassete, conforme o seu custo e o alcance de classes econômicas, poderá funcionar como uma espécie de pau de dois bicos. De um lado, indagar-se-ia iria combater a freqüência da televisão ou conviver com esta numa dialética de horários - a exigir, isto, maior tempo para o lazer. De outro, perguntar até quanto, em têrmos de cifras, pode acarretar o êxodo de espectadores das salas de projeção.
Com tudo isso, verifica-se que a vida da sétima-arte está sempre condicionada ao progresso tecnológico. O espetáculo para público só estaria garantido no caso de superproduções, quando é raro o particular que dispõe de instalações de sua propriedade para assistir fitas em cinerama ou outros meios ainda mais avantajados. Uma ontologia que se forma com à da máquina e com os métodos de reprodução em massa e cuja fonte máxima de expressão é o espetáculo em si.
Correio da Manhã
23/09/1970