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Cinema de Méliès a Stanley Kubrick

Até chegar à época atual de uma espécie de perplexidade a respeito do meio, seus efeitos, seu público e consequências, a história do cinema pode ser montada nas seguintes etapas:
I - A simples invenção do aparelho, apreensão de um novo fator tecnológico - a era, dos primitivos, de Lumière e Méliês (os quais, segundo Alain Resnais, num ensaio magistral, são – realismo e fantasia - as duas serpentes permanentes no caduceu do cinema).
II - A descoberta dos processos, da linguagem, das possibilidades estéticas: Griffith descobre o ritmo, Eisestein formula a montagem a
avant-gard francesa utiliza, no filme, as experiências literárias e artísticas propiciadas por movimentos de ruptura, como dadaísmo, surrealismo ou futurismo. O expressionismo alemão intensifica as pesquisas de imagem e décor.
III - Consolidação empresarial do veículo - Hollywood marcha para o apogeu - os grandes mitos, os grandes astros, os grandes temas.
IV - Descoberta do som, desenvolvimento da filmagem em cores (dispensando as viragens), fortalecendo a máquina de entretenimento - fun - e possibilitando o uso de novos e poderosos elementos no processo da linguagem, embora muitos estetas, críticos e teóricos houvessem demorado até mais de vinte anos para engolir o óbvio, ou seja, quanto maior a riqueza de materiais, maior a perspectiva de informação estétíca.
V - A revolução Cidadão Kane, de Orson Welles, rompendo com a linearidade dos esquemas, conferindo ao flash-back um status não apenas narrativo-referencial, porém estrutural – demonstrando que, sem paradoxo, quanto mais o poderio tecnológico se aproxima da hipótese de descrever ou imitar a realidade, com maior dose de fidelidade ou verossimilhança, maior a chance de distorcer, transfigurar essa realidade, criando ele (o filme) a sua própria realidade, sua ontologia peculiar. Boa parte do cinema americano; passou a ficar sob a égide de Cidadão Kane, enquanto, pouco a pouco, passava a ficar demonstrado também que Hitchcock havia consolidado o verdadeiro "gênero por excelência", o thriller.
VI - Eclosão do neo-realismo italiano, onde até os menores recursos permitiram que as experiências com o método documental ganhassem extraordinário desenvolvimento - em contraposição ao poderio barroco e instrumental de Kane, a simplicidade dos meios neo-realistas buscavam captar a emoção do ser no cotidiano fora dos estúdios.
VII - Revolução total na concepção de linguagem e natureza do cinema, com os diretores franceses que irromperam nos fins da década de 1950 e início da de 1960 -(principalmente Alain Resnais e Jean-Luc Godard), estourando regras de montagem, de campo e contracampo, apropriação do processo da memória e, principalmente, a concretização definitiva da dialética documentária x ficção (ficção documental ou documentário fictício) como padrão estrutural. De certa forma, Welles já havia bolado isto, ao introduzir o newsreel sobre a vida de Kane, logo na abertura do seu filme histórico. De qualquer modo, os novos meios desfechados por Resnais e Godard, ao lado daquela espécie de descascamento dos fatores simbolistas, operado por Michelangelo Antonioni, em algumas de suas fitas principais, fizeram o cinema se aproximar bastante daquilo que Merleau-Ponty considerava o seu principal objetivo: proporcionar o comportamento do indivíduo, isto é, não um ser previamente conceituado, mas o estar fenomenológico.
VIII - 2001: Uma Odisséia no Espaço - uma modalidade de retomada, em incalculável nível tecnológico, do espírito que gerou Kane. Só que, agora, é outro K - Kubrick, o Cineasta. O cinerama se abrindo para a investigação epistemological no máximo de efeitos encantatórios (o sonho de Méliès), da história da descoberta do instrumento ao choque cultural, ou crise do materialismo.

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Muito provavelmente, teremos de esperar váriosß anos a fim de encontrar uma resposta ao desafio cinematográfico de 2001, a este ápice de evolução de efeitos. Enquanto isto, ainda com maior rapidez nos tempos atuais, qualquer diretor novato ou comercial assimila os elementos e faz sua bossa: o pisca-pisca da memória de Resnais por exemplo, está em centenas de fitas que andam por aí. A ampla liberação temática, especialmente no terreno do erotismo ou até do sexualismo puro, permite as jogadas mais radicais no ambito do significado, falando aqui em têrmos de Saussure.
Por seu turno, na aparência, o fluxo do filme de underground - uma decorrência da marginalização intencional, por fatores de caráter social ou, mesmo e mais, de civilização - oferece uma resposta de rebeldia, mas, nunca, de revolução. Dá, certamente, a nota de interesse e, até, simpatia, em alguns festivais secretos ou não, porém defronta-se com duas contradições: 1 - aquela do próprio instrumento de comunicação, cuja potencialidade é reduzida a um alcance mínimo; 2 - a castração do poderio de efeitos, do aspecto ontológico de espetáculo, característico do cinema, em favor de meros efeitos anedóticos de choque, seja do ultrafescenino ao ultracontestatório. Mesmo porque, nessa escalada anedótica, os filmes comerciais já oferecem bastante, desde, é claro, que a intolerância de censores não esteja à espreita.
Por outro lado, a grande importância de Godard foi mal assimilada e exemplificada por muitos cinemas e cineastas novos. Em sua obra, a aparente gratuidade pelo insólito, a calculada pobreza de meios, a troca de recados com outros cineastas ou as ''entrevistas" perfaziam constantemente um ato de contemplação e meditação a respeito da natureza do próprio filme. Foi funcional em sua época, ainda recente, tanto assim que diversos dos elementos inventados por ele foram definitivamente incorporados à sintaxe de realizações comerciais ou descompromissadas. Godard possuía conhecimento de causa. Segui-lo, apenas imitando as exterioridades, sem absorver a razão de ser da engrenagem, redunda no confusionismo estéril. O desafio de Godard foi outro que ficou no ar.
O cinema já trava, há muito, luta com a televisão. O futuro parece traduzir uma fusão com esta última, através da entrada, que hoje se verifica, na era do minicassete (quando, então, as residências, além de bibliotecas, terão filmotecas) Mas o futuro, através do passado eterno, revela a permanência do espetáculo, onde, então, a evolução tecnológica estaria sempre conduzindo o cinema num passo adiante. Dai, a perspectiva contínua de nova invenção de elementos de linguagem etc etc.
A verdade parece evidente: se o cinema, como tal, existir ou resistir, o seu processo continuará baseado no desenvolvimento tecnológico e, nunca, na negação deste (suicídio). Não há dúvida de que existem exceções: Chaplin, a maior delas. Resta lembrar que as exceções não só confirmam as regras, mudam-se até em regras, mas, existem porque as regras existem.

Correio da Manhã
10/04/1972

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

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