Ninguém sabe, ao certo como setá a futura Cinebrás (fusão do Instituto Nacional do Cinema com a Embrafilme). Só se sabe que a política do cinema nacional permanece na área da perplexidade. De um lado, o formalismo operacional; de outro, a sanha dos censores. Graças à censura, o Brasil voltou a ser uma província cultural, uma espécie de Sicília de mini-saia, onde ser crítico de cinema passou a caracterizar uma das atividades mais ingratas. Nesta província, alguns dos filmes mais famosos, premiados e discutidos no mundo inteiro (tirante outras províncias tradicionais e menos votadas) estão proibidos. O espetáculo do ridículo não perturba os censores, porque estes o desconhecem - e, aí, retorna aquela velha história dos pobres de espírito no reino dos céus... O Brasil da Ponte Rio-Niterói ficou proibido de assistir à comilança de Ferreri, à laranja de Kubrick ou ao tango de Bertolucci. Mas pode ver A Viúva Virgem, O Enterro da Cafetina e Como Era Boa Nossa Empregada - elementar para os caros censores. Evidentemente, é difícil ensinar a muita gente que a moral é móvel - como, por exemplo, a pílula anticoncepcional deu um chute, à la Rivelino, no culto da virgindade. Mas, enquanto brincam os censores, o tempo passa. E os problemas concretos não encontram soluções. Voltemos a uma realidade que nada tem a ver com o disse-me-disse do corta-não-corta.
*
O maior inimigo do cinema nacional é o filme dublado na televisão. À comodidade de se assistir a uma fita dentro de casa, alia-se o crescente aperfeiçoamento técnico da projeção via TV. Quando se tomará isto em consideração, na hora de se financiar qualquer projeto?
Também o problema dos curta-metragens, da maior importância para a formação dos cineastas, não irá se resolver em lances e laudos burocráticos, ou estímulos sem base na realidade do mercado. O publico permanece desavisado. E, no entanto, os curtos refletem a fonte primaz de criação. Por que? Porque inexiste a formação de publico.
Inexiste uma política agressiva para tentar impor tal modalidade de fitas. O publico continua condicionado ao jornal filmado, ao trailer e às produções publicitárias e/ou promocionais vem o coro dos bocejos. Quando entra no cinema e se vê obrigado a assistir a mais um documentário ou mais um minucioso passeio de camera pelos detalhes arquitetônicos de Ouro Preto ou do Mosteiro de São Bento, o espectador reage mal, porque não estava prevenido; sente-se lesado.
Os nossos filmes de curtametragem, em média, são muito melhores do que os de longa-metragem. Mas ficam sem publico por causa da burocracia e do formalismo. O estímulo concreto resume-se a um festival aqui, outro ali.
Mas a futura Cinebrás, em vez de legislar, poderia entrar direto na formação do mercado. Construir ou alugar salas e fazer programas de curtos, combinando algumas fitas. Mais criativas, "difíceis", com outras mais comunicativas. E há realizações que atraem tanto o publico em geral, como aquele mais intelectualizado. Como exemplo disso, as fitas de bom nível feitas em torno de personagens de nossa MPB: Carmen Miranda, Chico Alves, Orlando Silva, Nelson Cavaquinho, Pixinguinha, Lamartine Babo etc. Ou a reconstituição de documentários das décadas de 1920/30.
Só estaremos livres do impasse, quando livres também da censura arrochante (admite-se é óbvio, a censura operacional, no tocante à impropriedade, para menores) e do formalismo oficial. Não há como fugir da lei da, oferta e da procura.
Correio da Manhã
28/04/1974