O bebê e a bola. Logo depois, a bola em diversas situações da paixão coletiva. Close do pé de um jogador fazendo embaixada, o movimento se estanca e fica só a foto do pé da esfera, iniciam-se os letreiros. Já é, desde o início, uma boa solução cinematográfica.
Há muito que o Canal 100 de Carlos Niemeyer vem provando que o futebol, além de apaixonante, é cinematográfico. Flashes de ação e de expressão - a câmara capta os lances sensacionais, de gol, drible, foul, conflito, bicicleta, apanha a realidade da emoção estampada nos rostos dos jogadores e vai, também, na massa da arquibancada, pescar a tensão, alegre, inquieta, eufórica, irascível, caricata, do espectador; microscópio sôbre o cerne da multidão.
Por tudo isso, também há muito devia-se um longa-metragem de documentário a respeito do futebol. Garrincha, Pelé e Tostão já haviam sido focalizados, na base da documentação biográfica, porém, com exceção de algum interêsse no caso do primeiro, sob a ótica de Joaquim Pedro de Andrade, os demais refletiram uma oportunidade desperdiçada. O filme não transmitia o feérico do esporte.
Nas produções de Carlos Niemeyer assistia-se praticamente de modo inaugural à associação dinâmica entre o que é ritmo no futebol e o que o é em paralelo, proporcionado pelos recursos da linguagem cinematográfica. Agora, com Brasil Bom de Bola, procurou-se levar o processo a conseqüencias mais amplas, valendo-se do ensejo de nossa conquista da Taça Jules Rimet, no México.
O filme tem duas partes distintas. Na primeira; um pouco mais longa e retrospectiva, em prêto e branco, há um pôt-pourri de lances clássicos do jôgo, em apanhado de jogadas sensacionais de craques, como Garrincha, Pelé e Tostão, um exame visual, em toada burlesca, da atuação dos juízes (quando, óbvia e proverbialmente, desponta o inefável Armandinho Marques), depois alguns lances das Copas em que competimos, desde 1938, enfim entrevistas, treinamentos e lances de todos os gols da fase eliminatória desta última Copa do Mundo. Na segunda parte, estamos no México - entra a côr. Aí então, com quase todos os grandes recursos possíveis, é o ôlho da câmara seccionando trechos do real, uma realidade esfusiante, de vibração. Não se perde um gol sequer, dos feitos pelo Brasil em seus seis jogos. Alguns dêles vistos em mais de um ângulo. Ninguém segurando o escrete brasileiro. Cenas não só sensacionais em têrmos de documentação do jôgo, mas em têrmos de cinema: o gôl contra a Inglaterra, a euforia de Rivelino ao fazer seu gol contra o Uruguai, o famoso sinal da cruz de Jairzinho, após corrida eufórica, depois do gol n.º 3, contra a Itália, nas finais, em suma, a já tão decantada cotovelada de Pelé. Houvesse, na junção de cada show isolado de ritmo e expressividade, uma proposição mais criativa e não apenas descritiva, poderíamos estar diante de um dos grandes filmes dos últimos tempos. Mas, apesar disso, assim como está, Brasil Bom de Bola dá de goleada na maioria das produções aqui realizadas, dentro e fora do tema.
De qualquer forma, o filão inaugurado pelo Canal 100 está aí, sempre vivo, porque o futebol é um motivo permanente.
Correio da Manhã
18/01/1971