NO FINAL do filme, Peter Finch se explica, dizendo que não é doente, que ele é assim mesmo etc. Muito elucidativo para aqueles que ainda não tinham percebido tudo isto e o céu também. Mas a censura achou que a didática do Dr. Daniel (Peter) certamente era um perigo à moralidade congênita dos maiores de 18 anos e a tesoura entrou em cena. O diretor John Schlesinger, que brilhou há pouco, através do admirável Midnight Cowboy, retorna com outra fita de igual nível. Sunday, Bloody Sunday, é uma obra extremamente adulta e civilizada, não tanto pela tal audácia de situações, mas pelo que encerra de meditação. Novamente o ménage à trois (embora não seja com todos sob o mesmo teto), que já foi assunto de um dos maiores filmes da história do cinema: Jules et Jim. Aqui, no entanto, nem Domingo Maldito consegue chegar às mesmas alturas, nem a armação ética e social é idêntica. Inexiste a euforia de Truffaut, mas há a mesma constatação subjacente de que o amor não tem sexo ("a vida é neutra", dizia Jules em certa passagem, onde discutia com Jim a respeito da mudança do sexo dos substantivos, conforme os idiomas).
Aqui, em lugar de euforia, há depressão, procura inquieta do amor. Bob Elkin, um jovem escultor, que faz suas experiências dentro das tendências contemporâneas, é amante de Alex Greville, uma mulher divorciada, e do Dr. Daniel Hirsh, um médico clínico, solteirão, cinquentão. Este também é um esteta, o que se nota pelos objetos de sua casa ou pela escultura luminosa que Bob lhe deu e, ele, numa cena bonita, contempla no jardim, onde está colocada.
O comportamento do rapaz é tranquilo e desinibido, mostrando que_ situações insólitas ou anormais podem obter o seu cunho de prosáico. Mas Alex e Daniel lutam contra a solidão, o tédio. Talvez Schlesinger e a autora da história e do roteiro, Penelope Gilliat, hajam desejado insinuar, muito discretamente (manchete sobre greve, rádio noticiando uma crise), que esse vazio ou até essa alienação provenham de uma estrutura decadente.
De qualquer modo, o fllme concentra-se é no estudo do comportamento dos principais personagem, muito bem interpretados por Peter Finch (Daniel) e Glenda Jackson (Alex) e, corretamente, pelo novato Murray Head. A qualidade de aprofundamento chega ao teto de um Bergman, de um Losey. O elevado grau de civilização que pode ser definido na beleza do estar consciente. Muito diferente é cortar, proibir, punir, arrochar as manifestações do espírito humano, em nome de uma visão pouco funcional do que seja ordem, moral, costumes etc.
Domingo Maldito, apesar de mutilado, merece ser visto. Ensina algumas coisas e demonstra o alcance da generosidade afetiva, na luta contra o vazio de significações.
Última Hora
20/04/1972