Fascismo Sem Máscara é um documentário soviético sôbre os horrorres do III Reich, realizado mediante a montagem de inúmeros filmes capturados dos alemães, depois da, II Grande Guerra, ao lado de trechos de outras fitas. Seu diretor, Mikhail Romm, é dos mais cotados dentro do cinema russo.
Essa modalidade de realização desperta sempre interêsse, pois se trata da função do filme como documento e máquina do tempo, a restaurar a vivência de uma época através do mais poderoso meio de registro que, no momento, existe. E o nazismo, por outro lado, se consiste num dos temas mais repisados dentro do gênero, não só pelo aspecto estético e histórico, mas como veículo de denúncia e contrapropaganda em tôrno de uma ideologia totalitária. Há pouco, tivemos Ascensão e Queda do Terceiro Reich, consumado com uma certa frieza rítmica; bem antes, lembramo-nos do sueco Minha Luta (Mein Kampf), título do best-seller de Hitler. Infelizmente, no gênero de documento do passado, nenhuma dessas fitas conseguiu o nível das francesas, como Les Annés Folles ou Paris: 1900, de Nicole Vedrés. Ou nada, em matéria de misérias do nazismo, conseguiu o mesmo e alto nível estético de Nuit et Brouillard, de Alain Resnais.
O caso dessa realização soviética ainda é mais desfavorável (se já não disséssemos: cómico) em decorrência das circunstâncias. Pois, muita coisa que Hitler fêz (inclusive com muito maior apoio popular espontâno) o fêz também Stalin e o fazem também seus sucessores, embora, êstes, com menos intensidade. Não adianta mostrar a já manjadíssima cena dos S.A. queimando livros, se, no burocracismo pseudocomunista da União Soviética, a figura do escritor só é aceita como a de um êmulo do realismo sacialista ou de um copiador caprichado de cartilhas oficiais. E, se não há fogo, há, em compensação, o gêlo da Sibéria. O filme fica até cínico naquele trecho onde, mostrando cenas de diversão e lazer no mundo ocidental (o rei da Suécia jogando tênis, americanos dançando e ouvindo jazz etc. & etc.), procura dizer que uma das razões da ascensão de Hitler teria sido a alienação da vida nos países capitalistas. Só esqueceu de mostrar, às vésperas da Guerra, cenas da assinatura, entre Alemanha e União Soviética, do pacto de não-agressão, que dividia a Polônia entre aquelas duas potências e permitiu que Hitler, com as costas orientais tranqüilas, pudesse dedicar-se calmamente ao extermínio das nações ociedentais. Enfim, a União Soviética só entrou na guerra porque o Füehrer decidiu-se a invadi-la. E lá vêm aquelas cenas piegas de mostrar criancinhas alegres, como que só Moscou fôsse o paraíso da infância.
A encomenda obrigatória, que gera a falta de isenção e o suicídio da dialética, prejudica em muito o filme. As exposições de arte nazistas, visitadas por Hitler e glosadas pelo narrador, são um retrato sem retoque do que é a arte na mesma URSS. Pois, se Hitler fechou a Bauhaus, Stalin liquidou com os grandes artistas e os movimentos de vanguarda. Os extremos se tocam, ditadores são ditadores, o ato de censurar é imoral em qualquer lugar do mundo.
Resta, de Fascismo sem Máscara, o interêsse por alguns trechos isolados, com sabor de documento, mesmo porque a montagem - quê era um apanágio do grande cinema russo (Eisenstein e outros, também liquidados pelo espírito que formou esta fita) está praticamente ausente em matéria de conferir efeitos rítmieos. Em suma: resultado de totalitarismo mal mascarado, pois, como dizia Bresson, a liberdade é a condição de de objetividade na arte.
Correio da Manhã
25/09/1970