Ninho de Cobras (There was a Crooked Man...) representa um western sui generis, onde, a propósito de determinadas situações-padrão, inverte-se tôda a ética da "pureza" do gênero. Os resultados, nos parece, são parciais, com relação às metas do projeto.
Parece também mesmo que o único filme completo na carreira de Joseph L. Mankiewicz ficou sendo All About Eve (A Malvada), com interpretações inesquecíveis de Bette Davis, George Sanders e Anne Baxter, principalmente esta última. No mais, mesmo em realizações que obtiveram fama - The Bare foot Countess (A Condessa Descalça), House of Strangers (Sangue do meu Sangue), No Way Out (0 ódio é Cego), Cleópatra (ou onde começou o idílio Liz Burton), entre outros - êle jamais conseguiu entrosar um excesso de inteligência teatral (ou literária) com a especificidade do filme. Seus personagens em geral não falam por si própnos; falam pelo diretor (além do roteirista ou autor da obra onginal, adaptada para a tela).
Ninho de Cobras já vem picado por essa contingência wildiana, ou estéticista: excesso de brilho verbal. Mankiewicz, tal como Billy Wilder ou Otto Preminger, descende da linha Lübitsch-Stroheim. Isso vem manifesto no requinte, humour ou aspectos polêmicos em sua filmografia. Decorrência: cinismo e amoralismo cunham o comportamento e reações dos personagens-chave, restando o back-ground do ridículo e do espanto para a "buona gente'' que povoa o universo dos coadjuvantes eventuais.
É difícil conceber a existência de uma fita de tal natureza, exatamente naquela época mais franca e polêmica da carreira do cineasta, pelo que encerra de anarquismo e iconoclastia. Porém, a sua formulação cinematográfica peca por um evidente desajuste rítmico. Tire-se o brilho, quase burlesco, do princípio e do final, sobrará, ao miolo, a ascendência de um diálogo, reconheça-se, lavrado pela verve e pelo wit, mas suicida em têrmos de envolvimento, via cinema. E até a ironia hustoniana do final, quando Kirk Douglas volta ao ninho, em busca do vil metal, pode ser prevista, segundos antes, pelo espectador razoàvelmente experimentado.
Nada acaba ficando de pé no castelo de cartas forjado e sacudido pela saúde mental de um amoralista. Nem mesmo a estrutura do próprio filme (ironia que Mankiewicz pode saborear). Só a eficácia de um elenco de alta consciência profissional: Kirk Douglas. Henry Fonda, Hume Cronyn, Martin Gabel, Warren Oates, Burgess Meredith etc & tal. Apenas um conselho ao vento: não será pela postura intelectualista que o "gênero por excelência" se salvará da epidemia espaguetiana vinda da Itália.
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Um certo Capitão Rodrigo, certamente, não corresponde ao melhor que Anselmo Duarte, como diretor, já nos deu: vide O Pagador de Promessas, grande prêmio de Cannes, ou o esfusiante Absolutamente Certo. A produção é absolutamente comercial e lá estão os cacoetes brasileiríssimos no cinema, que, por sorte (e subdesenvovimento), nenhum crítico estrangeiro percebe nos festivais da Europa.
Há coisas que nem Dercy Gonçalves imaginaria; exhibit: a mulher do dono da hospedaria, nas duas vêzes que vai ao leito com o nosso herói, geme (por cima ou por baixo): "ai, meu capitão". Ponto Chega. Mas o nosso capitão, nem assim, se desconcentra - vai direto ao inseto do sexo. Palmas que êle merece.
As mulheres se despem à vontade. Menos mau. O capitão encarna aquêle tipo já arqueológico, nos centros urbanos, e turísticos, na área rural: o machão. Pinga aqui, pinga ali, vai papando tôdas, deixando o supporting-cast com água na bôca. Sem falar no espectador, pobre mortal, que pagou seu ingresso e jamais advinharia tantas proezas eróticas numa cidade (tão pequenina, tão pacata...). Recheando tudo, algumas correrias, alguns duelos, canções, porres, ao tom de um eastmancolor que não é dos piores. Em suma, a turma da segunda unidade e a população de Santo Amaro deve ter-se divertido mais ainda do que quem depositou 5 cruzeiros.
A época dos farroupilhas, na fronteira gaúcha. Um Certo Capitão Rodrigo, baseado em O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, pode, também, demonstrar ao ministro da Educação o que pode acontecer em decorrência do apelo por êle realizado, no sentido de se produzir filmes sôbre os momentos cruciais de nossa História. Ninguém segura o capitão Rodrigo. Amém.
Correio da Manhã
08/07/1971