DE NOVO, ronda a ameaça de dublagem obrigatóna para os filmes estrangeiros exibidos no Brasil. Há um projeto na Câmara, em torno disto.
Já nem adianta, agora, repisar os argumentos de natureza estética - embora, estes, sob o aspecto ético, sejam os que mais deveriam influenciar. Assim como a Literatura é mais importante do que a literatura brasileira, chinesa ou espanhola, o Cinema é mais importante do que cinema brasileiro, canadense ou japones etc. etc. etc. A descaracterização, o brutal acinte à obra de criação etc. etc. etc.
Nem vale a alegacão de que em outros países desenvolvidos existe a dublagem. Em primeiro lugar, não tem o nosso país personalidade? Se, por exemplo, não deseja o governo imitar as nações mais desenvolvidas, em material do próprio regime democrático, por que imitá-las, logo em matéria de dublagem?
Em segundo lugar, vem o aspecto econômico. A maioria desses países já esgotou a capacidade de implantação de indústrias de base; voltam-se para as tecnologias mais refinadas, onde se situa a dublagem. No Brasil, o problema é diverso: estamos em período de intenso crescimento de indústrias de base, sem falar em projetos como a Trartsamazônica. Por que a prematura descanalização de investimentos, em favor de projetos secundários?
Veja-se o caso do uísque. Fabricamos marcas e marcas, porém, quase todas, resultam naquela mesma: "Old Headache". Quando o governo Castelo Branco baixou em 100 por cento as alíquotas de importação. visava isso mesmo: em vez de combater o consumo supérfluo (a traduzir a própria superfluidade econômica), combatia o investimento supérfluo (desferindo, em paralelo, um golpe mortal sobre o contrabando, o qual não estamos aparelhados para combater - as provas permanecem aí, de sobejo). Vale é canalizar funcionalmente os investimentos públicos e privados. Quanto à abertura do mercado de trabalho, invocada a propósito da dublagem, não pega. Trata-se apenas de uma transferência de ofertas, de um setor para outro, de acordo com o incentivo às disponibilidades de investimento tecnológico. Ou há trabalho para dublagem, ou para mais tratares, por exemplo.
Não sofrerá o cinema brasileiro um golpe com a dublagem obrigatória? O analfabeto ou semi-analfabeto (que não consegue ler as legendas a tempo), que representa um dos grandes sustentáculos das bilheterias do filme nacional, encontrará opções muito mais fascinantes em matéria de espetáculo. Quem resistirá, além de Mazzaropi? Sem voltar ao mencionado critério estético, seria necessária uma análise séria de mercado. A dublagem de filmes estrangeiros na televisão (esta, sim, até certo ponto inevitável) já não atinge fortemente o orçamento dos exibidores?
Depois, o lado cultural. As próprias leis, que estaberecem números de dias obrigatórios de exibição de fitas brasileiras, não tomam em conta o óbvio que a realidade cultural no Rio ou São Paulo é uma, cosmopolita, e que aquela do interior do Estado do Rio, de Minas, do Ceará, do Piauí, é outra. Nem tudo pode ficar dentro do mesmo caldeirão de iniciativas, as reações serão diversas.
Com referência a isso, o projeto reza, por exemplo, que a dublagem será obrigatória para exibição em qualquer cinema, menos os de arte. No Rio ou São Paulo, todos os cinemas desejarão ser "de arte"... E os técnicos e funcionários do INC ver-se-ão em palpos de aranha, a fim de definir precisamente o que é "arte" - coisa que, até hoje, é bem subjetiva - nem os grandes filósofos ou estetas conseguiram fazer (pelo fato de, mais do que ninguém, saberem o que estão fazendo).
Certo, sim: aqui ou ali, a dublagem aviltará a arte ou criação, que, na sua essência formativa, não tem nome, nem nacionalidade. Não seria mais simples começar por tentar resolver o atual impasse do cinema brasileiro?
Correio da Manhã
13/06/1972