L' Amore Difficile, em exibição em cópia algo precária para o preto & branco, é uma fita em quatro episódios, procurando retomar o filão do conto cinematográfico - uma variante do cinema italiano, vide a obra de um Blaseti, por exemplo. Aqui, sob a batuta de quatro diretores, temos adaptações de dois contos de Moravia, um de Ítalo Calvino e um outro de Mário Soldati, também cineasta, com um belo estudo, como La Provinciale.
Mas, findo o espetáculo, a impressão de conjunto é decepcionante, deletéria, embora o filme possa ser tragado, em parte, como diversão, com um ou outro lance dramático, uma ou outra passagem engraçada. E nada mais.
O primeiro episódio - As Mulheres - narra a história de um bacharel à procura de se programar com uma ou outra. Afinal se resolve com duas mesmo, sendo que a segunda, interpretada por Catherine Spaak, leva-o à irritação porque era virgem. E a primeira - Cláudia Mori - é uma das raras coisas que justifica a palavra eróticos no título em português. Aparece, em dado momento, com os seus sumários trajes menores em prêto, contrastando com a generosidade sinuvolumosa do seu corpo. O final é seco, marcando o desencontro entre os sêres. O protagonista é Enrico Maria Salerno, bom ator. O diretor, Sérgio Sollima, não disse ao que veio.
O segundo episódio - A Serpente - conta a pequena odisséia de um casal cinqüentão. Gozando as férias na Sicília. Ele é um professor de literatura; ela (Lilli Palmer), sua mulher, está reacesa de interêsses e invocações erotica’s. Ele evidentemente não presta atenção aos reclamos da espôsa de querer "aproveitar as férias". Ela sassarica debaixo do templo lústórico dedicado a Afrodite, desabotoa dois botões, solta o cinto no chão e pensa que ele é cobra. Qualquer principiante em Freud ou em bom senso, a esta altura, já lhe teria lavrado o diagnóstico competente e indicado a terapia multimilenar - menos o marido, zonzo. Quando dois sicilianos, à noite, dão-lhe carona no caminhão e - apesar da tentação - não mexem nela, esta faz queixa mentirosa ao marechialo, dizendo que foi violentada. Êste não acredita. Chama o professor para um tête à tête e aí - só ai - o marido compreende as necessidades da mulher e, com um certo enfado, vai satisfazê-la. Tudo muito vulgar e pouco sutil. O diretor, Alberto Bonucci, é outro que dormiu no palco de filmagem.
O terceiro episódio - O Avaro - faz a coisa melhorar um pouquinho. O protagonista do papel-título é o incansável Vittorio Gassman, aqui bem, porque lhe dão um papel de mais contextura. Um advogado avarento que está tratando da cobrança do seguro de um casal - ela, a ótima atriz e mulher Nadja Tiller (quem não se lembra de Die Madchen Rosemarie ou da última versao de Lulu?). O avarento mora só com a mãe, disse que nunca pagou mulher e pretende agora insinuarse junto a Nadja. Freqüenta o casal e tudo lhe parece simples, porque o marido joga pôquer diariamente com uns mesmos amigos. Ela lhe conta, no entanto, que a sordidez do marido faz com que a sua presença atice os parceiros, que lhe dão regalos caros e perdoam os prejuízos dele. Um dia, o esquema estoura, ela quer viver com o advogado, mas a avareza impera, O episódio também termina sêcamente, com o protagonista em close, numa espécie de crise de consciência velada diante do irremediável O diretor, Luciano Lucignani. poderia ter obtido melhor rendimento da trama, mas, por outro lado, também não põe tudo perder.
O quarto episódio - A Aventura do Soldado - é o melhor de todos. Nino Manfredi, o ator cómico, apresenta-se também como diretor e tenta reviver gags e situações da comédia muda, com o suporte de efeitos sonorous. Tudo dentro de uma cabina de trem, com um soldado (Manfredi) atiçado pelos encantos suculentos de uma passageira viúva ao seu lado (Fulvia Franca), e o calor circundante. Ele e ela não falam uma palavra, só gesticulam e jogam com os olhos. Apenas ouve-se o diálogo dos outros passageiros eventuais ali perto e o ruído do trem. Um tour de force de cérca de 35 minutos, razoàvelmente sucedido, onde a agressividade erótica do soldado, encostando-se, apalpando, osculando (em contraposição à passividade muda e indiferente com que ela se entrega às solicitações), não deixa, no desfecho. de receber o banho da amargura chapliniana, quando, ao descer atrás da viúva, o soldado, desolado, a vê desaparecer com dois homens. Nino Manfredi denota talento e pode ser um bom refôrço para a comédia italiana, cujo maior defeito é exatan1ente o excesso de falatório. A sua iniecão de mutismo obrigou a recordar os bons tempos, não só de Chaplin, mas de um Keaton ou de um Max Linder.
Correio da Manhã
08/05/1970