A cena em que Coral Browne, com calma, estilo e requinte, deglute Susannah York, chega-nos como uma das mais ousadas no âmbito do cinema não-marginal. Já, através disso, Triâgulo Feminino (The Killing of Sister George, baseado na peça homônima de Frank Marcus) fica também como um filme que dá o que falar.
Mas não seria lícito detectá-lo apenas mediante o insólito. Trata-se de um dos mais sérios, sensíveis e diretos exercícios sôbre o lesbianismo - tema eterno - já produzido para a tela, graças, em especial, à interpretação excepcional de Beryl Reid (Sister George), Coral Browne (Mercy Croft) e, até mesmo, embora em plano secundário diante das duas, à hipotenusa do triângulo unissex, Susannah York. Num jôgo cênico difícil, intrincado, delicado, nenhum deslize, nenhuma derrapagem no ridículo ou no mau gôsto - ou aquela tradicional grossura no gênero, no que é pródiga uma subcinematografia subdesenvolvida que se pratica por estas plagas & adjacências.
A presentificação do esquema dramático é sólida e sintética. O filme inicia-se já intensamente dentro do assunto, com a vida comum, com as rusgas da praxe, entre Sister George e Alice. Mais tarde, a intromissão do Segundo cateto (um triângulo tem dois catetos e uma hipotenusa), Mercy será incisiva e insinuante. Grande parte do êxito e da fluência do espetáculo o devem-se ao diretor Robert Aldrich, que, se permite a teatralidade do filme no aspecto externo (diálogos, seqüências obrigatoriamente em recinto restrito), jamais tomba nela estruturalmente, isto é, quanto ao ritmo. Aldrich é um cineasta de grandes altos (The Big Knife, Kiss Me Deadly etc.) e grandes baixos. Em dado período, chegou a dar a impressão de que seria o nôvo Orson Welles de Hollywood e, depois, decepcionou, deu com os burros na água. Mas salvou-se, pelo menos, o savoir faire, do qual The Killing of Sister George constitui um exemplo mais do que honroso. A cena, lenta e calculada, em que Alice se entrega a Mercy, nunca fará lembrar cenas de outras lesbianices tão em voga.
Um repúdio final para a cópia, em exibição, de Triângulo Feminino (título muito pouco feminino), que é um acinte à fotografia de Joseph Biroc, aos cinemas lançadores, à fiscalização obrigatória (que, pelo visto, não houve) é, last but not least, aos 5 cruzeiros derramados pelo público.
Correio da Manhã
05/12/1970