Até um certo ponto, Baby Love constitui surprêsa bastante agradável. Um filme com algo da pegada loseyana, com o requinte do decadentismo e a retomada de um filão novelesco, muito adequado ao pretexto cinematográfico de projetar o estrelismo. No caso, a novata Linda Hayden, inglêsa de Middlesex, escolhida para estrear no papel-título entre quase duzentas candidatas. E Linda convence. Não chega a ser linda, fisicamente, mas é engraçadinha, tem um bom corpo e - o mais importante - é boa atriz, tem algo da bossa, do fogo sagrado, da flor de abóbora que marca o talento. Pois, caso ela fracassasse, Boneca de Carne nunca poderia ser o que é: um bom filme.
A liberdade crescente, não só na abordagem, mas, em especial, na visualização de determinados assuntos, torna-se, aqui, uma evidência. O lesbianismo, por exemplo, não apenas sugerido, porém ressaltado nos gestos, no agarramento entre as mulheres. Tudo sem cair no ridículo ou no escândalo pelo escândalo. Não é difícil verificar que, fosse o diretor Alastair Read um cineasta de fôlego, melhor armado com a imaginação criadora, estaríamos diante de uma fita digna de um Kazan ou de um Bergman.
Luci vivia em bairro pobre com sua mãe (Diana Dors), meretriz que se suicida. Antes de se cortar com a gilete e imergir na banheira cheia de água quente, ela escreveu, para um médico rico - casado, com um filho - seu ex-amante, para que recolhesse Luci - fato que se confirma. Aí Luci, esquizofrênica e ninfomaníaca precoce, com seu encanto e suas atitudes desconcertantes fará um estrago quase idêntico àquele que Terence Stamp, em Teorema, realizou na mansão do industrial milanês. Amy (Anna Lynn, em boa aparição), a mulher do médico Quayle (Keith Barron), apaixona-se por ela, a ponto de se esquivar do marido, enquanto o filho, Nick (Derek Landen), também imerge na atração sexual da intrusa. O filme, no entanto, em seu roteiro, não apresenta o desdobrar dos fatos consoante uma concepção de ritmo ou definição de tragédia. A própria derrocada do moralismo no cinema impele à solução fatalista, do inevitável, despojada, em páralelo, do julgamento ético e de um destino obrigatoriamente violento aos personagens (a não ser aquêle que, por acaso, ocorre com Nick, também no banho).
O comêço da fita é muito bom, a partir dos créditos, e fundo escuro com o espetro dos pingos d'água a tombar sonoramente, até que se transformem em esguicho intenso. Logo depois, o close de Diana Dors no banheiro, preparando-se para o suicídio, com todos os requintes, quando a câmara intensifica detalhes e as expressões do rosto. Noutras seqüências, como a do jôgo de cartas entre Nick e Quayle, o diretor demonstra espíritó inovador, conferindo, neste caso por exemplo, um ritmo rápido e funcional, com os primeiros planos das cartas, a fim de contrastar com o tédio e a ansiedade de Amy. Pena que essa vontade inovadora não haja oferecido conseqüências estruturais. O elenco inteiro muito seguro, dominado por Linda Hayden e Anna Lynn em duas interpretações de destaque. Ótima, além dos décors, a fotografia em côres de Desmond Dickinson.
Correio da Manhã
04/05/1970