A reapresentação de Os Paqueras marca, para o públlco, de nôvo o convívio de uma das fitas nacionais que êle mais aceitou. Foi uma das rendas mais altas da produção nacional nos últimos anos. É também o nosso reencontro com a desinibição e o nível de administração do espetáculo (ainda mais intensificado com Quelé do Pajeú, a primeira realização brasileira em 70 milímetros).
Se o gênero cangaço - que já deu O Cangaceiro, de Lima Barreto, e Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha - assinala umas das vertentes naturais do nosso cinema, algo análoga ao western de Hollywood, pode-se dizer que essa espécie de comédia de costumes, como fêz Reginaldo Farias com Os Paqueras, consiste noutra tendência válida, a explorar aquilo passível de ser qualificado como a molecagem ontológica do carioca. Muitos críticos fizeram muxoxo, considerando como excesso de grossura. as situações que Reginaldo Farias explora. A atitude nos parece algo utópica - de saída, porque o próprio público demonstrou achar o contrário, ou seja, não estaria evidentemente querendo se identificar com a citada "grossura". E o que é o humor de um Oswald de Andrade ou de um Nélson Rodrigues, para citar dois autores entre os maiores do século? Não se pode exigir o mot d'esprit, a finesse, o wit etc. and etc.: para a realidade retratada em Os Paqueras, basta circular em Copacabana.
O cinema feijão-com-arroz (Os Paqueras, Quelé do Pajeú, Cangaceiro Sangüinário etc.) reflete saudàvelmente uma evolução de nossa indústria. Não deve eliminar a ala da invenção e do radicalismo metalingüístico (Glauber Rocha, Rogério Sganzerla, Júlio Bressane), mas até serve no sentido de que esta última se desenvolva em proposições ainda mais amplas e densas. Somente a poderosa infra-estrutura industrial de Hollywood foi capaz de permitir o alto grau revolucionário de, por exemplo, um Cidadão Kane, em sua época, ou, mais recentemente, de um 2001. O próprio Godard só conseguiu revolucionar a linguagem após uma intensa iniciação nos requintes americanos.
Tudo. Isto também revela que, talvez daqui a pouco, consiga o cinema nacional um autodesenvolvimento, sem os excessos do paternalismo diretamente protecionista, a martirizar quem paga as contas: os espectadores.
Correio da Manhã
09/06/1970