Uma das melhores revelações de cineasta, nos últimos anos, foi aquela de John Boorman, com Point Blank (fita que, aqui, recebeu o título de A Queima-Roupa, tendo Lee Marvin no papel principal). No número 109, da revista Positif, Boorman concedeu uma entrevista a respeito de sua experiência, da qual extraímos alguns trechos.
"Eu fazia pesquisas em Los Angeles para o meu filme sôbre Griffith e encontrei o produtor Joe Bernard: êle me mostrou um roteiro que era muito ruim, mas cujo herói era fascinante. Ele o havia também dado a Lee Marvin. Alguns meses depois encontrei Marvin em Londres, que estava filmando The Dirty Dozen. Concordamos em nossas impressões e, embora êle não tivesse visto nenhum dos meus filmes, indagou-me se tinha vontade de fazer aquêle e me propôs a sua colaboração."
"Para fazer A Queima-Roupa, estabeleci, primeiro, o clima emocional de cada cena é, depois, procurei os décors com um helicóptero. As pessoas que trabalharam durante anos em Hollywood me perguntaram onde achei todos aquêles cenários. De fato, simplesmente procurei, mas sabia o que procurava."
"Em seu contrato, Lee Marvin tinha direito de ingerência sôbre o roteiro, a distribuição a equipe técnica. Ele disse à Metro, que me transferia todos êsses podêres. À testa do departamento de montagem da Metro está Margaret Booth, que trabalha para êles há cêrca de 50 anos ela fêz a montagem de Greed, de Strohein, e é muito temida. Mas, gostou bastante dos rushes da fita. É muito moderna em seu modo de pensar, foi um pouco minha aliada e insistiu, em que me deixassem trabalhar à vontade. Foi, em grande parte, graças a ela, que eu controlei completamente a montagem".
''O que eu queria dizer: nesse filme - e que, sem dúvida, é uma banalidade - é que a sociedade americana se mata, faz uma autodestruição. Walker (o personagem vi-xido por Lee Marvin) é um catalisador dentro do filme - é muito vulnerável. A sociedade americana, que é uma sociedade de cadente, é também muito vulnerável diante das fôrças primitivas. De fato, no fim, os espectadores pensam que Walker matou muita gente, porém isto é falso. Um crítico, comparando A Queima-Roupa com Bonnie and Clyde, dizia que, embora Bonnie e Clyde matassem muitas pessoas, não dão a impressão de serem assassinos, mas que se toma Walker por um assassino, apesar de ele não abater ninguém. Eu não desejava que meus personagens dessem idéia de gangsters; queria que se assemelhassem a homens de negócios e não usei, nem judeus, nem italianos, para interpretá-los. Todos êles têm olhos azuis."
“Estou de acôrdo com Hitchock no pensar que o diálogo é amiúde supérfluo nesse gênero de narrativa e apenas serve para a atmosfera. A intriga é sempre um elemento de perplexidade num thriller. Tem-se necessidade dela, mas não em demasia. O que há também de curioso num thriller é que o ritmo no interior de um plano pode ser bem mais lento do que em qualquer outra espécie de fita, porque criou-se uma tensão. Um homem olha pela janela: pode-se perscrutar o seu rosto durante muito tempo, se o espectador sabe que querem matá-lo. Noutro contexto, seria uma coisa a qual ninguém se permitiria".
"O que é importante, no filme, é o sentimento de repetição, do "já visto". Cada coisa que acontece a Walker, já lhe ocorrera antes. Existem duas histórias paralelas: aquela de sua mulher e aquela de sua cunhada... Eu queria criar, cada vez mais, êsse sentimento de pesadelo, essa impressão de que êle estava numa porta giratória e de que a sua vida se repetia. E, para obter essa sensação, pareceu-me necessário utilizar o flashback. Esse filme ajuda muito pouco os espectadores em geral e o processo do flashback permitiame sugerir o que , se passava dentro de Walker. Além disso, tal efeito de estilo que se pode, eu suponho, associar com Resnais, é uma modalidade de montagem que sempre existiu. Griffith usava-a bastante em suas fitas. Resnais não fêz mais do que tornar o processo mais sutil”.
Proximamente, será lançado entre nós outro filme de John Boorman, muito discutido, Hell in the Pacific, apenas com dois atores em mano a mano numa ilha deserta: Lee Marvin e Toshiro Mifune.
Correio da Manhã
30/04/1970