MA NUIT CHEZ MAUD é, sem dúvida, um dos filmes mais inteligentes dos últimos tempos. Não se trata de realização que visa a uma inventiva imediata, em têrmos de originalidade técnica, porém daquelas que, sem pejo diante de exigências de um público, seja de amadores ou de cinéfilos, fulcra-se na exposição fluente de idéias. O próprio diretor, Eric Rohmer, chama a essa série de fitas suas de "contos morais" - além de Ma Nuit Chez Maud, inclui La Collectioneuse e Le Genou de Claire. Estamos assim, frente a uma obra exponencial, todavia sem concessões de espécie alguma; inútil recomendá-la para quem quer ir ao cinema em busca de passatempo, entretenimento, paliativo etc. É um filme intelectual, puramente concentrado na formulação de determinado problema metafísico, agenciado por instrumental filosófico. Em suma, uma obra, cujo despojamento funcional, busca de precisão e tentativa de rigor geométrico quanto ao fundo da questão, dispensam, em paralelo, os morceaux de bravoure, as cenas com lugar marcado nas antologias. O autor, no caso, está encastelado, é uma tôrre de marfim, uma ilha, não deseja influenciar ninguém.
Eric Rohmer, o diretor, era, ao lado de Godard, Truffaut, Valcroze, Jean Domarchi, Philippe Demonsablen, Feredon Houveyda e outros, um dos principais criticos da revista Cahiers du Cinéma - logo, em decorrência, um dos ponta-delança da nouvelle vague. Iniciou-se, como cineasta, em 1950, na área do curta-metragem, mediante Journal d'un Scélerat, ao qual, na modalidade, seguiram-se vários outros. No terreno do longa-metragem, começou em 1952, com o inacabado Les Petites Filies Modèles. Após, num hiato de nove anos, termina deveras seu primeiro filme, Le Signe du Lion, que, na época, já granjeava elogios. A seguir, então, veio a série, ainda em execução, dos contos morais.
Filmar idéias, ou, para sermos mais exatos e realistas, dar-lhes o cinema como suporte. Não fôssem os diálogos, a história de Minha Noite Com Ela seria extremamente simples. A Clermont-Ferrand, chega o protagonista, engenheiro, Jean-Louis Trintignant - vê uma jovem ciclista e decide que será sua mulher - depois, através do colega, Vidal, profcssor de Filosofia, conhece Maud (Françoise Fabian) - entabolam uma longa conversa filosófica e moral a três - a seguir, com a ausência do amigo, reluta em aceitar a proposta amorosa dela - reencontra a estudante loura da moto (Marie-Christine Barrault) - passam, uma noite em quartos separados - então se casam - cinco anos depois, em ferias à beira da praia, reencontra Maud, que reconhece, na espôsa do amigo, aquela que fôra a amante de seu primeiro marido.
O mundo amoroso e o mundo religioso, o mundo do acaso e o da matemática, joguinho eterno em busca do absoluto. O amor, assim, entre a religião e a matemática das situações e convenções. O convite à vida de Maud. No pano de fundo, o pensamento de Blaise Pascal, que, até hoje, perturba o de Rohmer. Tudo exposto com um domínio admirável pelo diretor, onde o jôgo de idéias encontra um amparo extraordinário na extrema naturalidade de comportamento dos atôres. Jean-Louis Trintignant, perfeito, comedido, e Françoise Fabian aproveitou com grandes galas a maior oportunidade em sua carreira.
Última Hora
15/01/1972