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Prefácio do livro "A idéia do cinema"

Esta seleção de textos e ensaios corresponde a uma boa porção - em nosso entendimento - do melhor que já se escreveu e se meditou em função da essência do cinema, sua estrutura, sua ontologia e sua significação cultural. Eis aqui, portanto, o impacto cultural do cinema no século XX - o século da segunda revolução industrial, da cibernética, da tecnologia, da propaganda, da comunicação de massas e, não só por paradoxo, o século do sentimento concreto, e não apenas místico, da possibilidade do fim de nosso mundo, através de um mero apertar de botões, pois o progresso material não é só confôrto, é também a bomba.
O cinema envolve tudo isso, seja como realização material, seja como forma simbólica, vindo esta útlima expressão como a definição de arte formulada por Ernst Cassirer. E a assim chamada sétima arte - a única que funda sua razão de ser já na essência da máquina, dentro do salto para a automação que caracteriza a segunda revolução industrial - engloba tôdas as outras, irmãs bem mais velhas, ou sejam, pintura, escultura, dança, música, literatura e teatro. Contém tôdas estas dentro de si, em sua ratio estrutural, como também, para fora, projetando-as em outras dimensões, como se fôsse um outro suporte para seus signos. Lá está a pintura, na composição, nuanças e gradações de côres e formas das cenas na tela cinematográfica; a escultura, mediante a modulação do espaço operada pela câmara em movimento; a dança, com o deslocamento de sêres e coisas dentro do quadro, ou o da objetiva, em tôrno de sêres e coisas; a música, seja uma analogia, em abstrato, a fim de formular um ritmo temporal, seja como acompanhamento sonoro para auxiliar na formulação da atmosfera emocional, psicológica; a literatura, com os métodos de narração; o teatro, com os diálogos e as tensões entre as personagens. Tudo isso, sem esquecer a arquitetura, a oitava, mas a primeira de tôdas, em antiguidade, cuja intervenção basta ser lembrada no tocante à construção dos cenários.
E, para fora, o cinema, através da técnica documental, disseca, examina e divulga tôdas essas outras formas de arte, exatamente porque o mesmo cinema não é só isso - uma arte - mas também é jornalismo, educação, política, propaganda e, sobretudo, comércio. Em lugar de arte, então (já que não é expressão direta de artesanato), é melhor dizer que se trata de uma criação industrial, reproduzível em massa e feita para as massas, tanto num sentido de fruição cultural e utilitária, como num sentido de desfechar a catarse coletiva. Por isso mesmo, não só os artistas, mas também os politicos e estadistas, levam a sério o filme, para uns, meio de propaganda, e, para outros, matéria de "segurança nacional".
Por tudo isso, não valeria, nem caberia, operar a montagem dos textos dêste livro, com vistas apenas à estética peculiar do filme, mas, sim, no sentido de uma abertura filosófica. O cinema, talvez melhor do que qualquer atividade, soube formular a relatividade da noção de tempo, vislumbrada desde Eisenstein, dentro de quatro perspectivas: sua eviciência material: o tempo de duração de uma fita, segundo a notação cronométrica; sua evidência anedótica: o tempo de duração da história narrada (que às vêzes coincide com o tempo material em fitas como The Set-Up (Punhos de Campeão) ou High Noon (Matar ou Morrer:); sua evidência rítmica: o tempo virtual; e, enfim, talvez a mais importante, sua evidência ontológica: o cinema como máquina do tempo, quando, através de sua poderosa técnica de documentação, não registra apenas o presente e arquiva o passado, num sentido objetivo, mas devolve-nos o espírito já inexistente de outras épocas, tipos de sentimentos já soterrados pela mudança dos costumes e das estruturas sociais. E essa capacidade cada vez mais se amplia, na medida em que marchamos para o futuro. Em paralelo a essas questões de tempo, sequer se tem noção de até onde avançará o cinema, em sua evolução material. O tempo também interno e externo.
De dentro e de fora, extraímos os textos-sequências desta montagem, ou seja, daqueles cineastas que escreveram sôbre seu ofício - Eisenstein, Resnais e Godard - e daqueles que, até sem serem críticos especializados, puderam, como observadores, dar sua contribuição no terreno estético, filosófico e cultural: Merleau-Ponty, Walter Benjamin, Susanne Langer e Herbert Read. E o raiar de conotações com muitas areas do conhecimento, assim como a arte, já se configura também numa forma de conhecimento: psicologia, política, teatro, literatura, linguagem. Cada um dêstes ensaios proporciona, a seu modo, um elemento necessário para a integração da essência da sétima arte. O de Merleau-Ponty, por mostrar, através do correlacionamento com a psicologia da percepção, que o cinema é a primeira forma de arte a nos fornecer o comportamento do indivíduo, não um ser predeterminado, mas um estar fenomenológico, através dos contatos com o outrem e o mundo. O de Walter Benjamin, por mostrar a projeção básica do cinema como criação potente dos métodos de reprodução, que geram o fim da aura da coisa, o objeto único: "a quantidade é qualidade" - diz WB. O de Susanne Langer, por mostrar a dinâmica incessante da evolução. dos materiais em cinema, que geram, assim, novos elementos. Os de Herbert Read, por mostrarem, como forma, sua abertura poética, a libertação do puro racionalismo vazado na técnica de registrar. O de Eisenstein, por mostrar aquilo que é essencial na estrutura de qualquer filme: a montagem, o uso da tesoura, e que não se constitui necessariamente no ritmo de cortes rápidos (a Machine-gun cut, segundo a feliz expressão de Lazlo Moholy-Nagy), que êle próprio adotou em sua primeira fase, e cujo principal exemplo antológico é a sequência das escadarias de Odessa, em Bronenosets Potiônquim (O Couraçado Potiônquim). Os de Resnais, por mostrarem a dialética radial do filme, desde sua origem, ou seja, do real com o imaginário, ou também, de Lumière com Mélies, e por mostrarem a dialética entre o espetáculo e o ato de reflexão.
A montagem de Godard, enfim, por mostrar o desenrolar, no tempo, de uma capacidade de reflexão incessante, entre vida e arte, mais especificamente, viver e fazer o cinema – a cinevida, a grande dialética documentário x ficção, que caracteriza o processo do cinema moderno, aliás tão bem exemplificada, não só na obra de Godard, mas também na de Resnais.
"Le Cinéme et la Nouvelle Psychologie", ensaio constante do livro Sens et Non Sens, é produto de uma conferência feita por Maurice Merleau-Ponty, em 13 de março de 1945, no IDHEC (lnstitut des Hauts Études Cinématographiques). Talvez não haja escritor moderno, em sua língua, tão dotado da clarté como Merleau-Ponty . Autor de inúmeras obras da maior importância, como Phénoménologie de la Perception, La Structure du Comportement, Signes, L'Oeil et l'Esprit, o pensamento dêle voltava-se permanentemente para um exame do homem dentro do mundo, à luz da abertura fenomenológica. E não apenas a especialização em problemas de psicologia da percepção. Merleau-Ponty, por exemplo, foi um notável analista político e filosófico e, aliás, dois dos maiores exames do marxismo encontram-se também em Sens et Non Sens: e soube, como poucos, analisar questões da pintura. "O Cinema e a Nova Psicologia" inicia-se por uma crítica profunda ao racionalismo cartesiano, que entendia a percepção como um mosaico de sensações. A seguir, como decorrência de sua análise esmiuçada da questão, ele situa o cinema como uma luva dentro do assunto e demonstra aquilo que lhe é básico: proporcionar o comportamento do indivíduo. Foi uma das raras vêzes que Merleau-Ponty abordou os problemas do filme - mas foi definitivo. Aceito o parti-pris inicial do ensaio, nada há, hoje, vinte e três anos depois, a objetar com relação a ele. É, no gênero, uma gema sem jaça, em sua clareza e objetividade.
"Film Aesthetics" e "The Poet and the Film" são dois trabalhos antigos de Herbert Read, escritos para a revista especializada Cinema Quarterly e, posteriormente, inseridos no volume A Coat of Many Colours. Falecido há pouco, Herbert Read, além de poeta e autor de um romance lírico, The Green Child, foi um dos grandes ensaístas de nosso tempo. Afora os citados, são inúmeros seus livros: The Origin of Form in Art, Icon and ldea, The Meaning of Art, Anarchy and Order, Form in Modem Poetry, Art and Society, Art and lndiustry, The Philosophy of Modem Art, English Prose Style. Examinar a essência e a situação da arte foi sempre um de seus temas-chave. Mas não se limitou às artes plásticas. Soube como poucos, no papel de estudioso da política, analisar o problema do anarquismo; notabilizou-se por inúmeros artigos e ensaios literários. E o cinema também entrou, certa época, em sua ordem do dia cultural. O approach que realiza, nos dois ensaios aqui publicados, denota aquêle espírito dinâmico de uma cultura que não se afoga em comportas de especialização, e procura relacionar todos os fenômenos estéticos. Talvez, hoje em dia, sejam contestáveis alguns pontos de seus trabalhos, mormente aquela visão sua da época, do prevalecimento de um cinema poético, fulcrado nas experiências surrealistas, principalmente a de Jean Coeteau, em Le Sang d'un Poete (O Sangue de um Poeta). Mas isso se explica, além de não empanar o valor cultural que ainda detêm. Quando ele escreveu tais artigos, o cinema ainda não ganhara de todo a hegemonia da exploração poética (usando o têrmo poético, aqui, não no sentido restrito do uso da linguagem verbal, mas do fazer inaugural próprio a qualquer experiência não-utilitária). Por outro lado, a importância da erupção surrealista ainda não havia sido absorvida em sua totalidade, sendo que Read - exatamente - foi um dos maiores estudiosos do assunto, principalmente em seu notável ensaio, Surrealism and the Romantic Principle. Quis, portanto, dar a autonomia de vôo criador, que ainda não se conferira ao cinema, de modo não mecânico ou descritivo.

"A Note on the Film" constitui-se em apêndice do grande livro de Susanne K. Langer, Feeling and Form, publicado em 1953, e onde desenvolve uma das melhores teorias da arte já escritas neste século. Autora de outros livros da maior importância, como An lntroduction to Symbolic Logic, Philosophy in a New Key e Problems of Art, bem como a tradução para o inglês de Sprache und Mythos, de Cassirer, um dos autores que mais influenciaram suas formulações, ela examina o filme com o mesmo instrumental com que focaliza a música, as artes plásticas ou a literatura. Susanne Langer, com relação à obra de arte em geral, desde An lntroduction to Symbolic Logic, soube discernir o que era material (real) e elemento (virtual), a fim de chegar à definição de arte, como objeto virtual ou forma expressiva. E, ao escrever Feeling and Form, comprovou que não era possível passar ao largo da sétima arte.
"Das Kunstwerk im Zeitalter seiner Technischen Reproduzierbarkeip" é, sem dúvida, um dos ensaios mais fascinantes que já foram escritos sôbre a arte, em geral, e o cinema, em particular. E seu autor, o alemão Walter Benjamin, juntamente com Ernst Fischer, se constituiu num dos mais lúcidos estudiosos marxistas do problema. Chega até a ser quase inacreditável que, em pleno decênio dos 30, tenha encarado o problema com a lucidez com que o fêz e que haja chegado àquela constatação - quantidade = qualidade - que só viria a se tornar uma evidência nestes últimos anos, através do método estatístico aplicado ao objeto estético, da teoria da informação, enfim, da obra de Max Bense. O que possa, no detalhe, ser contestável no tocante a êsse texto, evola-se com o arrôjo e a grandeza de sua visão histórica e também de sua colocação política do problema. "A Obra de Arte na Época das Técnicas de Reprodução" (traduzido por nós da edição em francês) faz parte de uma coletânea de ensaios de Walter Benjamin, onde avultam outros trabalhos da maior significação, como seu estudo de Baudelaire, aquele sobre tradução (A Tradução é Forma), sôbre o narrador, ou a respeito de Wahlverwandtschaften, de Goethe. E talvez tenha sido ele também o primeiro - de fora do métier cinematográfico ou dos interêsses estatais, como é o caso de Lênin - a ressaltar enfaticamente a predominância do cinema sôbre as demais formas de arte. Viu o filme como criação de massas, de equipe, e para as massas, espectadores.
"Za Cadrom" é um ensaio que acabou se constituindo em capítulo de Film Form, de Sérguei M. Eisenstein. Foi escrito em 1929 e publicado em 1930, em Paris, na revista Transition, havendo sido originariamente um posfácio de um livro sôbre o cinema japonês, Japonscoie Quinó, de N. Caufman. A frase de Lênin - "o cinema é a arte do século" - não foi, dentro da União Soviética, melhor justificada por ninguém do que por Eisenstein. Não foi apenas o maior cineasta russo de todos os tempos e o descobridor do método de montagem, no sentido sistemático ("a célula do filme"). Foi também o maior teórico do cinema de seu país e um dos maiores do mundo. E a prática sempre justificou o rico arsenal de formulações teóricas, ou vice-versa. Seu pensamento de ensaísta vinha corroborar uma carreira de clássicos do cinema: Istáchica (A Greve), Bronenosets Potiônquim (O Couraçado Potiônquim), Octiabre (Outubro, hoje, seu maior filme, o menos museológico), lstaroie i Novoie, (O Velho e o Novo), Alexânder Névsqui (Cavaleiros de Ferro), Ivã Gpoznii (Ivã o Terrível). E estes, uma série de escritos admiráveis, denotando imensa cultura, e enfeixados principalmente nos livros Film Sense, Film Form, Notes of a Film Director e Film Essays. Assim como ocorreu com um dos maiores poetas do século, Maiacóvsqui, ou com um dos mais importantes homens de teatro, Meierhold, ou com o black-out interno do suprematismo, de Malevitch e Tátlin, e do construtivismo, de Gabo e Pevsner, a obra de Eisenstein foi vítima da intolerância e incompreensão que geraram o realismo socialista, este mesmo realismo socialista que encontrava uma pré-resposta em "O Princípio Cinematográfico e o Ideogra~
ma", ao dizer Eisenstein que "o realismo absoluto não é, de modo algum, a forma correta de percepção, e apenas, simplesmente, a função de uma determinada estrutura social''. E, prosseguindo: "de acôrdo com um estado monárquico, uma categoria de uniformidade de pensamento é implantada – uma uniformidade ideológica, criada de tal maneira que pode ser desenvolvida pictoricamente nas escalas de desenhos e côres dos uniformes dos regimentos de guardas... "A partir do exame da arte e do teatro japonês, ele envida demonstrar que tôda arte é um problema de relações, de conflito - e, mais do que qualquer uma delas, o filme, que é um problema de montagem. E o estilo com que Eisenstein escreve "O Princípio Cinematográfico e o Ideograma" é, usando a expressão de Wertheimer, isomórfico em relação ao assunto que expõe: cortes e contrastes verbais. Tentamos, no máximo, conservá-lo na tradução.
"Les Serpents et le Caducée" e "Jouer avec le Temps" são dois textos de Alain Resnais, o primeiro publicado no número LIX da revista Le Point, de 1962, e, o segundo, no número 31 da revista L'Arc, por volta de 1967 (dizemos assim porque não encontramos indicação de data no exemplar). Ressaltemos que o segundo não corresponde totalmente in verbis, à expressão de Resnais: foi montado pelo entrevistador, o excelente crítico Bernard Pingaud, mas conservada a primeira pessoa. Revelam a lucidez e a seriedade de um cineasta que abriu novos campos para o cinema, iniciando sua carreira com documentários de curta-metragem, alguns mag~ níficos (Tour La Mémoire du Monde, Nuit et Bruillard, Guernica, Le Chant du Styrene), e entrando na longa-metragem com um filme logo revolucionário, Hiroshima Mon Amour (Hiroxima, Meu Amor), onde começava a concretizar a chamada dialética do cinema moderno: documentário x ficção. Resnais não só deu um sentido objetivo à faixa psicológica no cinema, como também introduziu o aleatório da memória no fluxo fílmico. Isso ocorreu em Hiroshima, como, logo depois, no inigualável L'Année Derniere à Marienbad (O Ano Passado em Marienbad), onde, além da cristalização mallarmaica do vazio e do nada, acompanhando aquêles travellings da memória em transe, consumou o delírio da persuasão, no espetáculo do amor, na porfia mental pela posse. Depois dessas duas fitas, êle ainda realizou Muriel (ainda não exibido no Brasil), La Guerre est Finie (A Guerra Acabou) - um dos melhores filmes políticos que conhecemos - e, recentemente, Je t'Aime, Je t'Aime. Ambos os escritos que apresentamos denotam o teórico de pensamento admiravelmente estruturado, o homem que encara seu ofício com o maior rigor. Está ciente e consciente da dialética entre a realidade e ficção, que vem desde a contraposição Lumiere x Mélies, e do problema do espetáculo, essencial no cinema. Ninguém, como ele, soube dar ao elemento travelling a pujança criativa que vemos mormente em Marienbad, Hiroshima e Toute La Mémoire du Monde. Nada mais encantatório do que o cinema de Resnais; e nada de menos literário. Ou então, literário no grande sentido de que, entrosada a faixa sonora com a motovisual, o cinema engole, através do espetáculo da reflexão, a grande literatura e instiga a percepção com novos signos e novas relações.
A montagem de quinze anos de escritos de Jean-Luc Godard serve para revelar várias coisas. Em primeiro lugar, o crítico arrojado, que não tem receio de errar ou escandalizar com suas invocações e suas comparações. Depois, a iconoclastia construtiva. Naquela época da revolução dos métodos de crítica, empreendida pela revista Cahiers du Cinéma, era preciso fazer a política de terra arrasada com relação à cultura cinematográfica, emparedada por uma bateria de regras estáticas. A seguir, a dialética da filmescrevivência. Godard não desliga, em si, o ato de filmar da inauguração de uma experiência vital. E, no fim, compreendemos: o aparente vale-tudo, a irreverência de superfície, compõem um dos maiores painéis sôbre o mundo e a mentalidade de hoje, em situação. Ao contrário de Resnais, a quem admira profundamente (e a admiração é recíproca, apesar das diversidades de critérios), Godard filma incessantemente e dá asas à improvisação. Mas não é uma improvisação amadorística ou irresponsável: é decorrência de uma reflexão e de um experimentar em incessante dialética, onde, inclusive, um filme completa ou, mesmo, corrige o outro. Pois tôda a obra de Godard, não só pelas citações, corresponde ao filme sôbre o filme. Em vez de teorizar, êle filma; e, nisto, confere inúmeros planos de realidade, também dentro da dialética documentário x ficção, a qual talvez haja sido o primeiro a registrar. Combatido, discutido, negado e idolatrado, Godard é, no estilo, no método, o anti-Resnais ou, até, o anti-Merleau-Ponty - mas, no fundo, está com êles, na medida em que procura preservar aquilo que Breton considerava a condição básica da objetividade na arte: a liberdade. Não só a liberdade de expressão, mas aquilo que a condiciona, estar livre das verdades permanentes e renunciar sempre para poder criar sempre. Como Guevara. Ou como todo grande quixotismo. Seu primeiro filme de longa-metragem, À Bout de Souffle (Acossado), já era uma revelação; e a maior evidência da tese de Merleau-Ponty do cinecomportamento: os tipos humanos, que não figuram um ser, conceituados anteriormente (e isto é que é a literatura), mas um estar probabilístico. E, nessa toada, com maior ou menor efeito, vieram, sucessivamente, Le Petit Soldat (O Pequeno Soldado), Une Femme est une Femme (Uma Mulher é uma Mulher), Vivre Sa Vie (Viver a Vida), Le Mépris (O Desprêzo), Les Carabiniers (Tempo de Guerra), Band à Part, Une Femme Mariée, Alphaville, (Alphaville ), Pierrot le Fou (O Demônio das Onze Horas), Masculin-Féminin (Masculino-Feminino), Made in USA (Made in USA), Deux ou Trois Choses Que Je Sais d'Elle (Duas ou Três Coisas Que Sei Dela), La Chinoise (A Chinesa), Week-end, One Plus One. Em menos de dez anos, fêz mais filmes que boa parte dos rodadores comerciais de Hollywood. Quanto a êstes seus textos, que montamos, foram todos extraídos de Cahiers du Cinéma, com a exceção dos trechos de uma entrevista, publicada em Cinéma 65. Assim como os filmes, evidenciam o amor e a concentração no cinema.
Assim como o mundo, o cinema gira. Esta sequência de ensaios não procura ser um resumo da história do cinema, mas das configurações de seu processo - aquilo que Whitehead definiu como a permanência do infinito nas coisas finitas. O processo é forma em movimento, é transformismo. Pode-se, aqui, comprovar como muitas das idéias ou das assertivas de um dos autores escolhidos, reaparecem, transformadas ou completadas, no texto de outro - e, em muitos casos, nem houve mútua leitura. E quando Resnais, ao fim de "Jogar com o Tempo", define, em duas palavras, o cinema, como relacionamento e vitalidade, pensamos nêle próprio ou em Eisenstein, para o primeiro caso, e em Chaplin e em Godard, para o segundo. Ou poderia ser Murnau e Hitchcock, Welles e René Clair. Os fios da meada encontram-se no rio do processo, que é o de Heráclito, na ida, e o da memória, na volta, no vaivém constante do conhecimento empírico e espiritual. O cinema gira.


30/11/1968

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

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