Pode-se considerar que foi um êxito o reaparecimento do diretor Rodolfo Nanni num momento em que, na área do cinema. brasileiro, a maturidade prossegue escassa. Baseado na peça de Antônio Bivar, Cordélia, Cordélia..., é um filme com muitas fumaças, embora sem pretensões de ditar os rumos da sétima arte - fato que, dada a natural incipiência, embora pareça incrível, aqui é muito frequente.
Cordélia, Cordélia... se trata de um exercício sôbre a alienação, no caso, a partir do comportamento de uma mulher classe média, profissão secretária (profissão padrão para o estudo), em suma, sonhadora e, até por isso, comumidora. Assim sendo, insatisfeita, depois desesperada.
O que é a alienação? Pode-se tentar definir como o desencontro entre o estar no mundo e o instrumento de atuar, que personaliza êsse estar e, portanto, as relações com os outros sêres e pessoas circundantes.
E quando inexiste perspectiva de projeto concreto e começa o ópio das compensações.
Rodolfo Nanni principiou por focalizar o tipo e forjar um roteiro de comportamento. Para isso, foi muito feliz ao ter a colaboração de Lilian Lemmertz, que, no papel-título, nos dá uma das melhores interpretações femininas do cinema brasileiro nestes anos. Sem arroubos nem arrancos de genialidade intencional, formula o personagem a sua insegurança, a sua fossa. A naturalidade de um tipo humano que se aceita imediatamente. Nesse ponto, o trio principal masculino - Francisco di Franco, Pedro Paulo Hathayer e Miguel di Pietro – jamais consegue emparelhar com ela, embora não comprometam o conjunto.
Numa cinegrafia. discreta e funional, o ritmo flui bem razoavelmente, fazendo com que o espetáculo venha a atingir a escala da convincência.
No desfecho, o drama se intensifica, o diretor elabora o paralelismo de ações: é muito boa a sequência do automóvel rateando com a bomba na mala, enquanto Cordélla vai tragando os comprimidos, um a um, até que a explosão do carro e a consumação do suicídio se casam em detinitivo.
A realização, às vezes, padece de uma carga de monotonia em determinados momentos - óbice que talvez pudesse ter sido melhor resolvido na sala de cortes. Consideramos também reiterante e inútil a inserção, hoje em dia já modernosa, dos lances de memória. Um lance que, amiúde, é antidiscursivo, mas que, aqui, "explica" desnecessariamente a formação da personagem principal.
Os defeitos, no entanto, não anulam o esforço de Rodolfo Nanni em dar contribuição válida dentro de um tema, repisado e repisado desde que inventaram essa história de realismo & adjacências. Cordélia, Cordélla... é um filme muito mais lucidamente político do que a maioria de outros que assim se apregoam em fanfarras epidérmicas. E sobrou muito pouco de teatralismo, enquanto, à beira do vulgar, saltou sobre o abismo e venceu a prova.
Última Hora
29/01/1972