Landru chega-nos com um atraso de 10 anos. Apesar do handicap, ainda é um filme delicioso, dos melhores deste ano. Na época, foi massacrado por boa parte da crítica francesa, que só quis enxergar o intelectualismo e o artificialismo do diretor Claude Chabrol. ·
A história baseia-se em fato verídico. O protagonista, Henri Désiré Landru, executado em versailles em 1922, havia sido condenado pelo assassinato de dez mulheres, as quais matara e, depois, queimara em sua casa de campo. O acusado jamais chegou a confessar seus crimes; porém, em julgamento demorado e sensacional, foi liquidado pelo júri.
Chaplin já havia se apoiado no mesmo episódio, a fim de realizar uma de suas obras-primas, Monsieur Verdoux (1948), quando criticou as normas cínicas da civilização, que organiza as guerras ou matanças coletivas e pune os criminosos individuais. Chabrol, de um certo modo, em estilo algo barroco e com o gosto decadentista, retoma o tema de forma mais sutil e menos pungente. Lá estão, intercaladas, as cenas verídicas da guerra de 1914-18, enquanto o protagonista leva avante o seu ofício friamente e desenvolve os requintes.
Assim como Verdoux, ele aqui está consciente: “a vida é feita de sangue e terror", diz em dado momento. Para manter o lar e, posteriormente, a amante fiel, é preciso matar aquelas viúvas ou solteironas e resgatar os seus pequenos bens. É tempo de guerra e a oportunidade dos amantes e gigolôs escasseia. É também tempo de fazer a guerra privada até que venha a paz e os ditos cultores do "humanismo cristão" tenham tempo de se voltar contra o assassino desumamo .
O pano de fundo de Landru é a belle époque, ou seja, a épeca onde a classe média, graças ao ímpeto da industrialização, entrou firme no grande consumo e pensou que "tudo ia bem". A I Grande Guerra se encarregou de apagar a ilusão e de dar o ponto final à mesma belle époque. Fica o prazer de vê-la recoostituída com o carinho de Chabrol, o toque de sátira para as situações e de lirismo para os cenários. Há cenas extremamente saborosas, como a da amante de Landru convocando-o para a cama enquanto canta Mon Coeur S'Ouvre à ta Voix, de Sansão e Dalila, ou o casal de velhos ingleses da casa de campo, que estranha sempre o cheiro a exalar a chaminé do vizinho. Ou a banda do coreto, marcando o assédio a uma das vítimas. Aliás, o fundo musical é o do período ou discos de ópera gravados naquela fase.
As sequências do tribunal lembram, por seu turno, o brilho verbal da grande fase da comédia cinematográfica francesa da década de 1940. Graças, em boa parte, à interpretação impecavel de Charles Denner, no papel-título, com a maquilagem proposital e funcionalmente exagerada. E entre as "vítimas", lá estão duas figuras famosas, como Michele Morgan e Danielle Darrieux.
Última Hora
21/08/1972