Anônimo Veneziano seria o autor de um concêrto para oboé e cordas, posteriormente atribuído a Alessandro Marcello. Seu principal tema melódico inspira e banha o filme, na concepção de Stelvio Cipriani. E é a melhor coisa a se salvar.
Veneza é uma beleza. Obvio – basta lembrar que é uma cidade sem automóvel. Lá, ainda hoje, os breves arroubos de poluição sonora estão por conta dos rugidos esporádicos dos motoscalfos ou de uma ou outra manada de turistas. O resto é viver e contemplar.
Lá estão Florianda e Tony. É um filme a dois, no tête-à-tête. A câmara e o oboé também prontos para completar o envolvimento na base cômoda do ôlhouvido. Veneza, em côres ou em prêto-e-branco, já foi palco de inúmeros outros dramas cinematográficos. Sob o sol e a côr, basta recordar a toada romântica e maviosa de Summertime (Quando o Coração Floresce), de David Lean, com Katherine Hepburn e Rossano Brazzi; sob a bruma, no prêto-e-branco, é lembrar, mais recentemente, Eva, de Joseph Losey, com Jeanne Moreau e Stanley Baker.
Muitos comparam êsse filme com Love Story; teria vindo na esteira do sucesso dêste último. O roteiro simplista e, até mesmo, fútil, de Giusepe Berto e Enrico Maria Salerno, demonstra que a pressa é inimiga da perfeição; mas, não só da perfeição: do bom senso. Tony (maestro) tem poucos dias de vida - chama a ex-mulher (Flô), que vive em Ferrara, com outro, além do filho de ambos - ela chega e começa o contorcionismo pseudo-romântico – entrementes a paisagem - ama-se, ela chora, ele quase chora - adeus, adeus, leves rídos chopinianos - e ela vai embora - fim. Lágrimas? Pode ser, mas é muita facilidade.
Só a própria distribuidora do Anônimo Veneziano, a Metro-Goldwyn-Mayer, entre o início do cinema falado e o fim da Segunda Grande Guerra, deve ter produzido mais de cem filmes ainda hoje mais viáveis e visíveis do que este, aqui na projeção sempre periclitante do Caruso-Copacabana.
Qualquer pessoa de 50 anos para cima sabe disso. Até a metragem, menor do que o habitual no gênero, denota a referida pressa em faturar. E por que um ator talentoso, como Enrico Maria Salerno, resolve logo estrear na direção,
faturando, apenas faturando?
Quanto a Florinda deve ter faturado mais uma casa na Barra. Em material de interpretação, faz força para levar o papel a sério, mas dá-nos a penosa impressão de algo corroída por uma certa suspension of disbelief. Tony Musante, a todo momento, dá giros de 360 graus sobre si mesmo, anda sem direção, mas não cai no canal. Quando a câmara se aproxima dele, já entre primeiro plano e close, parece-nos atar de cinema mudo, a que não faltou, no rosto, a esfregadela de cebola ou mostarda. Dá dó, principalmente quando quer dar o seu dó de peito no teatro vazio. Aí, o fotógrafo Marcello Gatti quase tomba do tripé.
A nova onda romântica é muito mais séria e estável do que se pensa, mas não pode ser medida por fitas como O Anônimo Veneziano. Pois, para o anônimo espectador, no máximo, no máximo, é diversão regular.
Última Hora
22/01/1972