Da décade prodigieuse é mais um ensaio do diretor Claude Chabrol, em busca da originalidade do insólito. Chabrol, como crítico, logo de saída, formou na linha de frente de renovação do Cahiers du Cinéma, na fase de remodelação total dos métodos e visão do fenômeno cinematográfico. Era grande fã de Hitchcock e isto, marca, aqui e acolá, a sua obra, dotada de evidente desigualdade. No começo, havia, parece, mais o que dizer: Le Beau Serge, Les Cousins (marcados firmemente pelo homossexualismo e um esteticismo modernoso), A Double Tour, onde, com indiscutível mérito pictórico, tentou ser o Hitch francês.
Há sempre uma certa pretensão em Chabrol; porém não é certa a garantia de oferecer algo de novo ou de instigante. Esses Dez Dias Fantásticos bailam no meio-termo. Nem é uma fita desprezível; nem, também, algo que se possa reservar para uma gaveta na memória. Mas lá está, com base numa história dos autores que se assinam Ellery Queen, o ·pretexto de retornar ao exercício do thriller, do suspense, as lídimas heranças que o cinema em geral deve a Hitchcock.
Os personagens principais são sustentados por quarto atores de proa: Orson Welles (dispensa maiores comentários), Marlene Jobert, Michel Piccoli e Anthony Perkins (quanto a este último, o diretor não conseguiu evitar as contorsões e tremeliques, tão bem usados ou apagados pelo mestre Alfred no admirável Psicose).
O argumento não é só policial - é meio metafísico, psicologístico. Há também um molho marienbadiano envolvendo as aparições de Marlene, muito mais metida a etérea do que nas piruetas de René Clement. Piccoli faz o papel do intelectual, ex-professor de Perkins, convocado para compor os conflitos e desentranhar os fios da trama. Welles revive algo de Arkadin, instalado nas doçuras da Alsácia. O seu personagem não deixa de contra a fábula de praxe: dessa vez em lugar da rã e do escorpião (ou o fatalismo do caráter), é aquela que evidencia a imperfeição como sinônimo de vitalidade. Mas a barba está ficando prosaica e a entonação muito isabelina para o ambiente.
Há luxo e boas cores (nos exteriores), para se apropriar. A aura do mistério passeia entre as sequências, entremeada por uma dose, às vêzes desagradável, de pedantismo. No início, com o onirismo neurótico de Perkins, as tomadas (talvez pela coação da presença física do ator-diretor outrora revolucionário), relembram o estilo granguinhol e expressionista de Welles. Existem dois personagens desnecessários, desconcentrando o entrecho: o irmão e a mãe de Théo. O desfecho brinda com o vaivém das revelações: quem matou quem, quem não matou quem, matou quem. etc .. etc. Mas o tobogã de Chabrol, mesmo para o expectador médio, ainda não chega a atingir a vertigem dos mestres de Hollywood. Mas dá pra ver: diversão bem razoável – exagero do sangue em determinadas passagens não chega a sambar no estômago.
Última Hora
13/07/1972