L’Enfant Sauvage é o décimo filme na carreira de François Truffaut, que, até agora, só ficou mesmo tendo a sua passagem para a história garantida pelo notável Jules et Jim. Em nenhuma de suas outras fitas conseguiu, antes ou depois, chegar perto. Mas permanecerá também o registro de sua atuação, como crítico de cinema a demolidor de velhos conceitos estéticos.
O episódio relatado em O Garoto Selvagem reflete fato verídico. Aveyron Victor, com cerca de 12 anos, levava existência inteiramente animal nas florestas da Franca Central. Em 1798, depois de várias fugas e capturas foi conduzido a Paris, quando, então - de início no Instituto de Surdos e Mudos, após, na propriedade rural -, passnu aos cuidados do Dr. Joan Itard e da governanta Madame Guerin.
O roteiro da fita, de autoria do próprio Truffaut e de Jean Gruault, baseia-se fielmente no relatório publicado, em 1801, pelo Dr. Joan Itard. E ainda Truffaut resolveu personifirar este último, sendo a primeira vez que aparece na tela, em seus filmes.
O Garoto Selvagem faz logo lembrar O Milagre de Anna Sullivan (The Miracle Worker), mas ficou longe da força e dramaticidade deste admirável filme de Arthur Penn. Apelou-se, agora, de novo, para a técnica documental de exposição, com o registro frio e didatismo direto. Com exceção da primeira parte (a vida do garoto na floresta e a sua perseguição e captura: que é a melhor de toda realização, o restante traduz uma concepção cuidadosa, porém sem maiores projeções de idéias. Não deixa mesmo de nos surgir a lembrança incômoda de indagar qual a razão de Truffaut haver realizado essa fita e do modo que o fez.
Sabe-se que é um assunto - infância incompreendida, solitária - a preocupar o cineasta: um dos seus primeiros filmes, até de caráter autobiográfico é Os Incompreendidos (Les Quatrecent Coups). Mas, aqui, parece até um estranho, que optou pelo distanciamento operado na rigidez de estilização. E que decidiu-se a lembrar dos filmes antigos através do emprego da íris, a abrir e fechar cada capitulo do relato cinematográfico.
Aliás as melhores coisa advêm quando Truffaut evoca duas de suas influências capitais: Jean Renoir e Jean Vigo. Com relação ao primeiro, lá estão as tomadas dentro das florestas de Lacuane, ou a euforia selvagem de Victor sob a chuva noturna; do segundo, uma certa fúria infantil ou a cena dos dois sentados com os tambores e as campainhas.
Boa a foto de Nestor Almendros, porém a melhor colaboração vem mesmo do elenco: Jean-Pierre Cargol quase impecável no difícil papel-título; Francoise Seigner bastante autêntica como Madame Guerin; e Truffaut r.ão se compromete, compondo com intencionalidade mecânica a figura do Dr. Itard.
Última Hora
01/02/1971