Alain Robbe-Grillet, um dos maiores criadores e teóricos da corrente do nouveau-roman, teve logo o seu nome projetado no cinema por haver escrito o texto-roteiro de O Ano Passado em Marienbad, o maior filme de Alain Renais e um dos maiores de toda a história do cinema. Com esta obra, inclusive, Resnais e Robbe-Grillet levaram o filme, dentro de uma contingência mallarmaica, a pesquisar o filão da memória e da imaginação, além do radicalismo acronológico que criava o tempo subjetivo.
Animado por isto, o escritor resolveu dedicar-se mais intensamente à sétima arte e realizou mais três filmes, que deixaram a crítica dividida: L’Imortelle, Transeurop-Express e L’Homme Qui Ment. Nenhum deles, é certo, conseguiu a repercussão de Marienbad, mas o autor não desistiu em seu experimentalismo – acaba de terminar L’Éden et Aprés do qual também é autor do roteiro e diálogos.
Trata-se de um leit-motiv completamente alegórico, atolado de símbolos: um café mágico, denominado Édon, onde as crianças se entregam ao jogo de paródias, simulando atos violentos, como estupros ou assassinatos. Até que, um dia, ali chega um desconhecido que arrasta a mais bonita das criaturas presentes para além dos espelhos do Éden, a um mundo onde tudo é possível e se acham sublimados os atos vis que, no café, eram representados. No elenco, Catherine Jourdan, Pierre Zimmer, Richard Leduc e Sylvain Corthay.
Alain Robbe-Grillet denomina essa sua obra de cinema-brincadeira. Segundo ele, o mundo moderno tem dificuldade de se libertar da profundeza herdada do século XIX e isto ainda se ressente na literature ou no cinema. Diz: “tento substituir a noção de profundidade pela noção de brincadeira.” Homo-ludens – basta recordar o livro famoso de Jean Huyzinga, o autor de O Declínio da Idade Média. E brinca-se com tudo na euphoria lúdica: espaço, tempo, vida, morte, cores, formas, lirismo, erotismo. “Pratico” – explica ele em continuação à sua ideia – “uma espécie de realismo omírico que cria um fantástico moderno, próximo daquele do desenho animado de hoje”. “Trouxe este um estilo novo ao maravilhoso e tal maravilhoso, salpicado de sensualidade, masoquismo, crueldade, é o que se acha em meu filme”. “É, ao mesmo tempo, a busca do Graal, Justine ou la Bertu ou Alice’s Adventures in the Wonderland” – ou seja, entre Sade e Lewis Carrol. Robbe-Grillet admite lógicamente a hipótese de que o público sinta dificuldade em acompanhar o seu filme mas alega que, neste caso, pode ser tomado como fita policial, uma história de roubo de quadros.
O décor de L’Éden et Aprés, rodado em parte em Bratislava, Tcheco-Eslováquia, compreende uma imensa superfície labiríntica concebida com espelhos, fotos, divisões de móveis, além do palácio das maravilhas. Outra parte da fita – alias, a primeira em cores de Robbe-Grillet – correspondendo às miragens da imaginação, foi rodado em Djerba, Tunísia.
Rest aver se sera seis e seis o ultimo lance do autor para brincar e aceitar os dados do acaso.
Correio da Manhã
26/06/1970