No dia 6 de maio de 1938 Hitler foi a Itália para uma visita a Mussolini. O país (futuro aliado na Segunda Guerra Mundial) ficou praticamente paralisado. Esse é o mote de Um Dia Muito Especial (Una Giornata Particolare).
A partir daí, o diretor Ettore Scola constrói um dos melhores filmes políticos dos últimos anos. E Marcello Mastroianni e Sophia Loren realizam o seu melhor pas de deux em matéria de interpretação.
Como abordagem do nazismo e/ou fascismo – afinal são quase sinônimos – a obra encontra um paralelo com Julgamento em Nuremberg de Stanley Kramer. Mas ficamos aí. Um Dia Muito Especial é um filme bem mais intimista, de reflexos e reflexões sobre a sociedade de repressão. Justamente isso. O diretor Scola mantém a dupla Mastroianni/Loren a dialogar cerca de hora e meia e demonstra que tal motivação também pode ser cinema. Para infelicidade dos puristas.
Mas, aí mesmo, está a grande chave do filme. Enquanto o esquerdista homossexual e a mulher de prendas domésticas – duas vítimas típicas da mencionada sociedade de repressão, principalmente há 40 anos atrás – vão desenvolvendo sua conversa, o fundo musical traduz a épica imponente das marchas nazistas. São, entre outras, Die Fahne Hoch (Icem a Bandeira) de Horst Wessen, hino do Partido nazista, cujo autor foi assassinado em 1950; Deutsckland Uber Alles (Alemanha Acima de Tudo); ou Hell Hitler Dir, onde o Fuhrer é amplamente louvado. Uma imagem intimista, calcada no som épico. É a melhor crítica a consumar da alienação de uma sociedade que acredita no herói e cai no encanto do mito político. Nesse ponto, Hitler e Muss (como chamava Ezra Pound) andavam de mãos dadas: excitaram as massas para atender os interesses de uma minoria.
O espetáculo começa com um documentário da visita de Hitler, sua chegada no trem, a recepção, etc. Então, logo depois, entramos na ficção, no caso particular, no dia especial. Funcionalmente, acompanhado o tom do documentário, as imagens, com exceção do fundo encarnado da bandeira nazista, são mantidas com um predomínio das tonalidades esverdeadas. O indiscutível senso do diretor em escolher os planos, a seca perspectiva das tomadas, garantem o ritmo instigante. Tratar-se da idéia que se concretiza na forma – ou a gasta palavra arte. Sem isso, qualquer um seria artista. Quem não faria a sua Giornata Particolare?
O DIRETOR – Ettore Scola, nascido em 1931, inicialmente roteirista, realizou: Fala-se de Mulheres (Se Permette Purliamo de Donne) e Por um Milhão de Dólares (La Congiuntura), de 1964; Pesadelo de Ilusões (Thrilling), 65; Os Amores de um Demônio (L’Arcidiavolo), 66; Conseguirão Nossos Heróis Encontrar o Amigo Misteriosamente Desaparecido na África? (Riusciranno i Nostri Eroi a Ritrovare l’Amico Misteriosamente Scomparso in Africa?), 68; O Comissário Pepe (Il Comissario Pepe), 69; Ciúme à Italiana (Il Drama Della Gelosia), 70; Chicago Story, 71; La Piu Bella Serata Della Mia Vita, 72; Trevisto Terino e Nós Que Nos Amávamos Tanto (C’Eravamo Tanto Amati), 74; Brutti, Sporchi e Cattivi, e Aventura Italiana, 75; Signore e Signori, Buonanotte (episódio), 76; Um Dia Muito Especial (Una Giornata Particolare), 77.
Jornal do Brasil
11/08/1978