Mel Brooks à frente e, mais ainda, um Gene Wilder, um Marty Feldman fazem parecer que estamos retornando a uma segunda idade heróica da comédia. Não, agora, pela dificuldade de recursos, mas pelo espírito, pelo esporte de desfazer a história de Hollywood. E de gozar os antigos diretores e personagens que povoaram o mundo de cineastas como o próprio Mel.
Agora, a vez de Hitchcock, a quem Alta Ansiedade se apresenta como homenagem. A paródia louca revive um misto de Vertigo (em nossa opinião, o maior filme de Hitch e um dos maiores da história do cinema) e de Spellbound. Renomado psiquiatra chega a um hospital a fim de assumir a direção. Ele, tal como personagem de Vertigo, tem vertigem de altura e vai encontrar a antiga direção do hospital, comandada pela enfermeira de horror, pronta para sabotá-lo, matá-lo, ta como fizera com o antecessor. Aí em diante, é dispensável narrar o que ocorre – só vendo.
A fita, em permanente ritmo de hilaridade, é uma sucessão quase ininterrupta de paródias de seqüências de Hitchcock – o suspense o thriller desmontados pelo humor. Vamos lembrar algumas: o espocar em série da máquina fotográfica sobre o professor, que remete a Correspondente Estrangeiro; a queda de Mel sobre um fundo abstrato à la Saul Bass, bem como a perseguição final pelas escadas da torre, com o projetar de uma personalidade no abismo – como Kim Novak – a traduzir Vertigo; o ataque de pombos sobre o professor, só que, em vez de bicá-lo, estão-lhe proporcionando algo menos nobre – o filme, óbvio, é Os Pássaros; enfim, talvez a mais notável cena em que Mel, tal qual Janet Leigh, em Psicose, está no chuveiro e chega o porteiro para apunhalá-lo com o jornal enrolado, enquanto para o ralo, em vez de sangue, corre tinta de imprensa.
Mas são gotas no oceano de Alta Ansiedade, se formos lembrar desde a primeira cena do avião aterrissando, com as caras risonhas de todos os passageiros nos quadrinhos das janelas, menos a de Mel, crispada, como a prenunciar as futuras peripécias. Hitchcock, um dos maiores diretores de todos os tempos, recebeu merecida homenagem, embora de forma insólita.
Jornal do Brasil
22/08/1978