De início, cabe registrar que estamos diante daquilo que se entende por teatro filmado, o que, em matéria de cinema, traz conotações pejorativas. Mesmo que a camara pulasse mais do que os saltitantes atores e apesar dos primeiros planos, o tempo é de teatro e está anti-funcionalmente lento em O Grande Desbun. E, especialmente na primeira parte da fita, quando o desbun é o da monotonia.
Antonio Pedro e Braz Chediak realizaram a adaptação de uma peça de Martins Pena, datada de 1846 – As Desgraças de uma Criança – escrita dois anos antes da morte do autor. Ele representava, na época, a versão brasileira da comédia de costumes, com a sátira a diversas modalidades do comportamento. Vê-se, portanto, diante do filme, que As Desgraças de uma Criança traduz apenas um tênue ponto de partida para o que resultou na tela. Da peça, por ironia, só resultou teatralidade ingênua e linear.
Mas, daí, o pulo foi grande. A linearidade clássica transformou-se naquilo que se pode definir como barroquismo tropical; ensejo para a metalinguagem do vale-tudo em matéria de mistura; Martins Pena multiplicado por O Rei da Vela Caetano x pornochanchada x ópera x zarzuela x tango x last but not least, Antonio Pedro e Braz Chediak. E na mélange de roupas estravagantes, um bebê grotesco, palavrões, símbolos fálicos, há cenas que merecem registros, como a do casamento, ou vinhetas bem sacadas, como a do mendigo cego que agradece os pingos de chuva que ressoam na cumbuca como se fossem moedas. O elenco é o ponto alto – principalmente Marília Pera, Tessy Cakvadi e Ney Latorraca – e jamais destoa nessa dança de abundancias.
Jornal do Brasil
10/11/1978