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Resnais: um lance de cartas

A diferença que há entre os dois maiores diretores franceses do momento, Godard e Resnais (e também entre os maiores do mundo, ao lado de Kubrick, Hitchcock, Bergman, Fellini e Pasolini), reside no fato de que, enquanto o primeiro acelerá a sua ruptura com tôda uma tradição ultural-filmográfica anterior, ao operar seus cine-rascunhos, o segundo encorpa o fluxo imanente do processo (aquilo que Whitehead entende como a permanência do infinito nas coisas finitas) naquilo que constitui seu grsnde tema - a investigação de valências e latências do tempo -, assunto a se caracterizar também como metacinema.
Je T'Aime Je T'Aime, com roteiro musical de Jacques Sternberg, é um filme da máxima importância, notável, nos dois ou três últimos anos, logo abaixo de um monumento, como Uma Odisséia no Espaço, ao nível de outro como Persona ou Teorema. Resnais, depois de um hiato brilhante com Muriel e A Guerra Acabou, voltou à plena vanguarda. Eu Te Amo Eu Te Amo traduz um desdobramento viável de Hiroshima e Marienbad.
Como disse Abraham Moles, “a memória é aleatória"; como falou Resnais, em auto-receita, interessa "jogar com o tempo" (entrevista à publicação
L'Arc). O filme, com incrível sobriedade de efeitos (nenhum eflúvio plástico, nenhum daqueles travelings fabulosos que fizeram a fama estilística do cineasta), é a pura experiência de montagem, com o embaralhar aleatório das cenas dentro do tempo de projeção (anedóticamente, todo o período de metragem em que o protagonista fica dentro da esfera e perfaz sua incursodo passado). O leitmotiv narrativo implica numa espécie de science-fiction despojado de qualquer exteriorização típica do gênero, com exceção da mencionada esfera: um homem (Claude Rich) tentara o suicídio e quando sai da clínica é procurado por uns cientistas que o convidam a um centro desconhecido de experiência com o retôrno ao passado, de duração de um minuto. Com os ratos parecia já haver dado certo - faltava o ser humano disposto. Aí começa a invenção do cineasta.
O minuto em que êle deveria permanecer é o momento em que sai de dentro d'água e vai ter à praia, com a amante (Olga Georges-Picot). Porém ocorre o descontrôle da experiência e incidem os fluxos e refluxos, presente-passado, então em pura desordenação cronológica. Os lampejos de retôrno à postura de Ridder, deitado dentro da câmara da esfera, numa espécie de luminosidade interior quase incandescente, se consiste numa espécie de pisca-pisca não mais da memória (como nas fitas anteriores, e que foi uma grande contribuição de Resnais à linguagem), porém do presente.
Entao, a técnica do jôgo - cinebaralho, até com a repetição de cenas ou cartas. Alea, que se transforma em aléia inacabada do processo no tempo e na memória. Não se trata jamais de flash-back, porque êste último ainda é linearidade lógica fragmentada. Nem quebra-cabeças anedótico. O que Resnais consegue mostrar é que o racionalismo linear (estrutura fechada) não corresponde a antolhos obrigatórios para se apreender lucidamente os acontecimentos, pois, com todo o embaralhamento alógico e não-linear (estrutura aberta), apreende-se, idênticamente, a história passada do protagonista. E, tudo, montagem: hommage ao grande inventor do passado, Eisenstein.
Notável, igualmente, reparar que, salvo talvez o plano final, inexiste "sequência antológica" no filme, ou imagens-chave, a não ser o rápido lance piscapisca, onde o crime de Ridder é mostrado. Tudo flui em sobriedade álgida, mas não deixamos de estar dentro do encantatório. A máquina de cinema e máquina do tempo (real, virtual e de fabulação), até a hora em que o homem retorna ao instante do suicídio. Agudo lance dramático, ruptura da norma do espaço. Em suma, admirável a imagem final do rato na redoma: detalhe, microestrutura remetendo a uma invocação cósmica, lance simbólico no cristal do rigor.

Correio da Manhã
20/09/1969

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

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