Radiotelecinejornal. O Bandido da Luz Vermelha. Godard e Oswald de Andrade, cultura e mass media, Chacrinha e Marshall McLuhan, invenção e antropofagia. A tribo em transe.
O próprio cineasta, Rogério Sganzerla, informa que misturou tudo intencionalmente: o western, a chanchada, o policial, o mau gôsto, o bolero, o expressionismo, o deboche, o strip-tease. Acima de tudo, e intensamente, cinema.
O Bandido da Luz Vermelha projeta-se como um dos filmes de estrutura mais original entre os que apareceram ultimamente. E, isto, não apenas com relação ao modestíssimo cinema brasileiro (onde, amiúde, a "genialidade" amadorística ou mimética pulula no vazio da eficácia), mas tomando-se em conta o cinema em geral, ao nível internacional. Por isso mesmo, como obra de invenção, de surprêsas (e que seria do cinema sem a surprêsa?), provoca também a incompreensão, até o despeito. O nôvo é quase sempre e fatalmente polêmico em essência: basta lembrar as barbaridades que, aqui e no exterior, foram ditas, há pouco, sôbre 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Kubríck.
Rogério Sganzerla não só absorveu inúmeros contrários ou heterogêneos de fatôres culturais ou extra ou anticulturais, como, ao mesmo tempo, procurou inserir alguns elementos ou influências desfechadas pelas criações de vanguarda em outras áreas: da poesia, do teatro, do próprio cinema. E, aí, então, cria um cinema rítmico, de montagem, cuja estrutura exatamente refere-se àquela da comunicação de massas: rádio, jornal, cinejornal, televisão, anúncios luminosos, publicidade, tudo calcado pela tônica do sensacionalismo, utilizada como um recurso objetivo de enfoque das camadas da realidade política e cultural. O filme funciona como se fôsse um painel móvel do comportamento genérico do bas-fond, do crime, da política, variando a ótica, da classe média, para a popular. Dentro disso, o Ieit-motiv se constitui nas façanhas do bandido famoso, que sacudiu São Paulo, cuja mentalidade esquizofrênica era extrato de uma formação fatalmente deturpada: "Já que não podemos fazer nada, vamos avacalhar." Ou seja, "bagunçar o coreto" até às últimas consequências.
Flashes, fatias de uma ação, quase nunca apresentada de modo completo. A não linearidade, porém sem qualquer emprêgo ou concepção de flash-back, pois, êste, por mais complexo e engenhoso que seja, reporta-se sempre, em última instância, à anedota, à lógica formal de uma manifestação conceitual. Em O Bandido da Luz Vermelha encontramos aquêle distanciamento objetivo do autor, proporcionado pela técnica do documentário, e onde inexiste qualquer orientação subjetiva do cineasta, a fim de dar um sentido ético à conjunção das sequências, em suma, a formulação discursiva dentro da manga ou da cartola.
Existe apenas a opção inicial pela seleção dos elementos. E, aí mesmo, foi que se revelou a personalidade do autor, a sensibilidade em inovar, em usar o mau-gôsto com bom-gôsto. A começar pelos intérpretes: Paulo Villaça compõe, para o bandido, um tipo notável; Helena Ignez, como Janete Jane, impecável em todos os momentos; Luiz Linhares dá ao delegado um comportamento inesquecível; Pagano Sobrinho, como o político, leva às últimas consequências o aspecto primitivo e carnavalesco da conduta de muitos líderes populares; e, fabulosa, a caracterização de Roberto Luna, como Lucho Gatica. Em ambientes do gênero, só mesmo o cinema americano consegue gerar uma fauna idêntica.
Restaria dizer que, apesar de tudo, o filme não deixa de ser uma hommage às aberturas que o Godard, de A Bout de Souffle ou Pierrot Le Fou, deu ao cinema, sendo que, através da última fita, foi deveras citado no final por Sganzerla, quando troca o enroscar- se nas bananas de dinamite de Belmondo pelos fios elétricos de Villaça.
Radiotelecinejornal. O Bandido da Luz Vermelha. Godard e Oswald de Andrade, cultura e mass media, Chacrinha e Marshall McLuhan, invenção e antropofagia. A tribo em transe.
O próprio cineasta, Rogério Sganzerla, informa que misturou tudo intencionalmente: o western, a chanchada, o policial, o mau gôsto, o bolero, o expressionismo, o deboche, o strip-tease. Acima de tudo, e intensamente, cinema.
O Bandido da Luz Vermelha projeta-se como um dos filmes de estrutura mais original entre os que apareceram ultimamente. E, isto, não apenas com relação ao modestíssimo cinema brasileiro (onde, amiúde, a "genialidade" amadorística ou mimética pulula no vazio da eficácia), mas tomando-se em conta o cinema em geral, ao nível internacional. Por isso mesmo, como obra de invenção, de surprêsas (e que seria do cinema sem a surprêsa?), provoca também a incompreensão, até o despeito. O nôvo é quase sempre e fatalmente polêmico em essência: basta lembrar as barbaridades que, aqui e no exterior, foram ditas, há pouco, sôbre 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Kubríck.
Rogério Sganzerla não só absorveu inúmeros contrários ou heterogêneos de fatôres culturais ou extra ou anticulturais, como, ao mesmo tempo, procurou inserir alguns elementos ou influências desfechadas pelas criações de vanguarda em outras áreas: da poesia, do teatro, do próprio cinema. E, aí, então, cria um cinema rítmico, de montagem, cuja estrutura exatamente refere-se àquela da comunicação de massas: rádio, jornal, cinejornal, televisão, anúncios luminosos, publicidade, tudo calcado pela tônica do sensacionalismo, utilizada como um recurso objetivo de enfoque das camadas da realidade política e cultural. O filme funciona como se fôsse um painel móvel do comportamento genérico do bas-fond, do crime, da política, variando a ótica, da classe média, para a popular. Dentro disso, o Ieit-motiv se constitui nas façanhas do bandido famoso, que sacudiu São Paulo, cuja mentalidade esquizofrênica era extrato de uma formação fatalmente deturpada: "Já que não podemos fazer nada, vamos avacalhar." Ou seja, "bagunçar o coreto" até às últimas consequências.
Flashes, fatias de uma ação, quase nunca apresentada de modo completo. A não linearidade, porém sem qualquer emprêgo ou concepção de flash-back, pois, êste, por mais complexo e engenhoso que seja, reporta-se sempre, em última instância, à anedota, à lógica formal de uma manifestação conceitual. Em O Bandido da Luz Vermelha encontramos aquêle distanciamento objetivo do autor, proporcionado pela técnica do documentário, e onde inexiste qualquer orientação subjetiva do cineasta, a fim de dar um sentido ético à conjunção das sequências, em suma, a formulação discursiva dentro da manga ou da cartola.
Existe apenas a opção inicial pela seleção dos elementos. E, aí mesmo, foi que se revelou a personalidade do autor, a sensibilidade em inovar, em usar o mau-gôsto com bom-gôsto. A começar pelos intérpretes: Paulo Villaça compõe, para o bandido, um tipo notável; Helena Ignez, como Janete Jane, impecável em todos os momentos; Luiz Linhares dá ao delegado um comportamento inesquecível; Pagano Sobrinho, como o político, leva às últimas consequências o aspecto primitivo e carnavalesco da conduta de muitos líderes populares; e, fabulosa, a caracterização de Roberto Luna, como Lucho Gatica. Em ambientes do gênero, só mesmo o cinema americano consegue gerar uma fauna idêntica.
Restaria dizer que, apesar de tudo, o filme não deixa de ser uma hommage às aberturas que o Godard, de A Bout de Souffle ou Pierrot Le Fou, deu ao cinema, sendo que, através da última fita, foi deveras citado no final por Sganzerla, quando troca o enroscar- se nas bananas de dinamite de Belmondo pelos fios elétricos de Villaça.
Correio da Manhã
13/05/1969