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A paixão de Ana

En Passion é o 32º filme de Ingmar Bergman- uma obra que é uma intensificação constante de cinema e meditação. Por outro lado, trata-se da segunda experiência do cineasta com a côr - a primeira havia sido no rococó Para Não Falar de Tôdas Essas Mulheres.
De nôvo a ilha - ou leit-motiv simbólico para focalizar a solidão e a incomunicabilidade entre os sêres. Quatro personagens: Andreas Winkelman, um homem com um passado a esquecer, desejando a integração com o nada; Anna Fromm (Liv Ullman), que perdeu marido e filhos e procurava a "verdade" a qualquer preço, em transe neurótico; Eva (Bibi Andersson), que se sente incapaz em aprofundar o relacionamento humano; Elis, arquiteto, marido de Eva, refugiado no cinismo, na frieza emocional, transformando o estar num jôgo permanente.
Ao contrário do que ocorre com Antonioni, na sua fase anterior a Blow-Up, em vez do descascamento, Bergman promove ao máximo a concentração simbólica das tomadas, perfazendo linguagem alto poder alusivo. Nada, nenhum objeto é jogado em cena, nenhuma situação dramática é construída, sem que deixe de possuir um referencial além da própria evidência física. Um balde que rola do telhado, um animal misteriosamente trucidado, um pássaro que se atira contra a vidraça, e a côr, amiúde carregada da significação sombria e soturna. O ritmo, lento, como sempre funcional, esmiuçando o desenvolvimento dos parâmetros da metafísica - a meta de tôdas as especulações bergmanianas .
Tal como já vinha acontecendo, desde Persona e A Hora do Lôbo, o cineasta não apenas joga com a invocação metafísica, mas chega ao metacinema - o filme sôbre o próprio filme. Aqui, isto tem a sua incidência mediante a técnica do distanciamento: em quatro momentos da fita, a ação é interrompida a fim de que os atôres, em pessoa, procurem criticar e definir seus personagens. Como que a lucidez lúdica do diretor fizesse sua intervenção com o objetivo de evitar o mergulho no absoluto do tema – o horror do sêr, o estar inócuo. Outro relance de automeditação é a cena em que Anna vem a narrar o seu sonho e retornarmos ao trecho final do filme imediatamente anterior a En Passion, Vergonha, no apocalípse do bote e dos cadáveres. Bergman, de certa forma, age como se estivesse "prolongando o significado" da obra anterior.
É inútil, evidentemente, a tentativa de, em cada realização sua, decifrar todos os recursos simbólicos, quando, inclusive, a margem da intuição deve ser ampla e solícita, amiúde, mais a empatia do que a razão lógica. Mas, diante do conjunto do painel, uma montagem de silêncio e pesadelo, o sentido geral pode ser apreendido com o bom senso do ôlho e do intelecto. O resto (importante) é apreciar os efeitos do jôgo (ou arte).
E bastaria, como emblema significante geral, o último e admirável plano, quando, em long-shot, Andreas é visto saindo do carro de Anna, a câmara então se aproximando lentamente, enquanto êle dá alguns passos ao léu, atarantado, a objetiva chega ao primeiro plano, intensifica-se a granulação da foto em côres mortas, até atingir à abstração ou nada. O nada, de onde sempre parte e sempre pode chegar qualquer esfôrço de criação.
A Paixão de Ana será, sem dúvida, um dos grandes filmes dêste ano - fato que já é trivial em matéria de Bergman.

Correio da Manhã
11/03/1971

 
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