Sêde de Pecar (The Grasshopper) constitui uma espécie de folhetim modêlo século XX. A protagonista, vivida por Jacqueline Bisset, volta a criar e participar das peripécias análogas às de uma Amber ou Caroline: a jovem que abandona o bisonho recesso do lar e que, como declara em dado momento, quer ser "something special", não o uísque premium blend, primo rico do manjado Queen Anne, mas uma personalidade de fama, pronta a deglutir as maravilhas da existência, as sensacões e o prazer, fugir do môfo da rotina e tentar o grande amor. Mas tanto Caroline, como Amber, tiveram mais êxito, sem falar em Messalina. Jacqueline termina como o oposto do Something Special, um drinquezinho de carregação, provado por todo mundo.
Neste transe do show novelesco, apoiado no erotismo e no encantatório da fotografia do grande expert, Sam Leavitt, o diretor Jerry Paris limitou-se a reger a continuidade de lances, mediante alguns bossismos modernosos e duas sequências realmente dignas de registro. Numa delas, o assassinato a tiros do negro (Jim Brown), que se divertia com a bola numa quadra pública de basquetebol, é complementado por uma tomada vertical da bola, quicando solitária, em câmara lenta, entrecortado o silêncio pelas batidas no chão, a simbolizar de modo original, o esvair da vida. Na outra, a traduzir a cena imediatamente anterior àquela do desfêcho, Jacqueline e o encarregado do hangar sobem num avião que começa a fazer evolucões sôbre a cidade, enquanto escreve para o público, mediante a fumaca, o têrmo fuck it. Tudo se interrompe, ali em Los Angeles, inclusive um polícia de motocicleta, que bate palmas, enquanto os carros batem um nos outros. Uma boa bolada do argumento, bem resolvida pelo diretor e sua equipe. Tal como as heroínas dos folhetins idênticos, Jacqueline tem vários homens em seu curto período de vida intensa, entre os 19 e os 22 anos, quando ficará, para sempre, estigmatizada como meretriz e viciada irrecuperável (pelo menos é o que deixa entrever o último plano da fita, a imobilizar seu close-up em mais uma fotobiografia dos arquivos policiais). Tem maridos, amantes, namorados e freguêses, êstes últimos da mais antiga e não menos nobre das profissões. Lá figuram o campeão negro do esporte que se casou com ela (Jim Brown), o velho milionário que lhe deu luxo e confôrto (Joseph Cotten), e, entre os menos votados, outros, como o primeiro noivo, o músico fracassado que se torna seu gigolô, o ricaço "grosso" que a possui numa passagem de bastante violência, enfim aquêles personagens que circundam o mundo de luzes, vício,
jôgo, meretrício e crime de Las Vegas. Sêde de Pecar cumpre razoavelmente a sua meta de divertir o espectador com as componentes clássicas da época: erotismo, violência, côres e uma ou outra cena de construção arrojada a fim de não decepcionar in totum os "entendidos". Dá para ser visto, embora, na tela do super Bruni, volte a ser reinstaurada a projecão corta-crânio, isto é, em grande parte das sequências desaparecem as cabeças dos personagens, que passam a falar de um além indesejável e pouco instigante.
Correio da Manhã
25/09/1971