Outro dia, um jovem cinemaníaco e candidato potencial a futuro cineasta, como tantos que sonham com a "arte do século", entrou correndo no cinema Leblon, sem sequer olhar para os cartazes. A falta de maiores atrações, queria assistir à comédia Uma Gatinha Por Dia - quem sabe? - um pouca de humor, erotismo e boa administração. Ao entrar na sala escura notou a presença de apenas quatro ou cinco espectadores, em estado de pré-pânico, olhou para a tela e, com voz ainda mais violenta do que a do Tony Tornado, berrou: "Meu Deus!" Nem bichanos, nem bichanas, escorriam as imagens de um troço chamado Não Aperta, Aparício! Saiu correndo e nunca mais foi visto.
O fenômeno, nada incomum - ao contrário, ameaça ser mais crescente - constitui decorrência imediata do formalismo dos agora 112 dias de exibição obrigatória para os filmes brasileiros, sejam de razoável ou péssima qualidade.
O excesso de protecionismo direto, imediatista, não nos parece o melhor estimulante para o desenvolvimento - e, aqui, falamos no verdadeiro desenvolvimento, isto é, aquêle que, antes de ser progressivamente quantitativo com consumo garantido, compulsório, obrigatório, visa a melhor eficácia do produto. E o cinema, além disso, já oferece um problema bem peculiar, pois não pode ser encarado como mero processo de industrialização para posterior comercialização, tal como ocorre com sapatos, tecidos etc. Existe uma feição criativa, cultural, que, de acôrdo com um problema econômico, não pode ser subestimada, nem sobrestimada.
É necessário o realismo do bom senso para equacionar basicamente a questão. Existe um produto (que, ao contrário do livro genial, não pode aguardar 50 anos para ser lido) e um público, ou seja, o consumidor.
O produto exigiu altos investimentos e tem que dar lucro, ou, no mínimo, empatar. Quem vai comprá-lo, isto é, o exibidor, também visa ao lucro. O público quer se divertir; uma minoria vai além mais e procura o prazer estético, Então, nesse esquema, forma-se, mais uma vez, a lei da oferta e da procura, esta última diminuindo com o apelo cômodo da TV (ver cinema em TV é, hoje, diversão de muitos). É preciso, assim, o equilíbrio funcional para que, em nome do desenvolvimento setorial de nossa indústria e tecnologia, a verdade da lei da oferta e da procura passa ser temporariamente distorcida, mas nunca em excesso. Mesmo porque o público tem sempre a sua verdade e dá a última palavra. Por outro lado, o tremendo desequilíbrio regional, em matéria de cultura e de alfabetização, não recomenda soluções unitárias para o assunto: o que é aceitável, vendável, elogiado, no Rio de Janeiro, pode ser repudiado, imprestável, criticado em Roraima.
O impasse do formalismo vem de longo tempo. Também, nesse interregno, o cinema brasileiro muito evoluiu, ganhando, inclusive, alguns dos nossos cineastas, conceito internacional. Mas é preciso observar que tal evolução deve muito menos a 8 x 1 ou 4 x 1, do que, de um lado, e principalmente, ¡a grande adesão ao cinema, como fator estético e cultural, das últimas gerações, e, de outro, ao grande incremento do auxílio (verbas) oficial.
Correio da Manhã
17/12/1970