A reapresentação de Spartacus, agora em 70 milímetros (e, aqui, novamente, a máxima cinematográfica que é o "óbvio ululante": quanto maior a tela e melhor a projeção, melhor será o filme), permite o contato com uma das melhores realizações já feitas na área do cinema épico, pelo menos nestes dois últimos decênios. Trata-se de uma superprodução de mais de três horas de metragem, adaptação do conhecido romance de Howard Fast e com um all-star cast: Kirk Douglas, Jean Simmons, Laurence Olivier, John Gavin, Charles Laughton, Peter Ustinov. E, como um filme à parte, os créditos de Saul Bass, com base na escultura romana, num jôgo de fusões dos mais criativos.
O êxito de Spartacus é simples: leva a marca de Stanley Kubrick, um dos três ou quatro maiores realizadores do cinema na atualidade, mormente depois do impacto de Uma Odisséia no Espaço (possivelmente, o maior filme da história da chamada sétima-arte). É anterior à Lolita, Dr. Fantástico e 2001 e foi a primeira grande produção filmada por Kubrick, que, antes, havia brilhado intensamente em filmes da série B, A Morte Passou por Perto, O Grande Golpe e o antológico Glória Feita de Sangue, também protagonizado por Kirk Douglas e um dos maiores filmes sôbre a guerra já feitos.
Spartacus se consiste na única obra em sua filmografia, na qual a responsabilidade de concepção e execução não é integral. Mesmo assim, ficou sendo algo de exemplar no gênero, com cenas admiráveis de movimentos de massas, de luta e de ação. Sem falar no contrôle dos intérpretes, quase todos ótimos.
Na realização imediatamente anterior, Glória Feita de Sangue, Kubrick havia visto a guerra (a I Grande Guerra) em padrões praticamente ophulsianos, com travellings divagando pelo sombreado das trincheiras, ou acompanhando os soldados à carnificina proporcionada por um comando incompetente. Em Spartacus, focalizado em cores e tela ampla – e menos um filme polêmico do que épico - ressuscita Eisenstein nas sequências de ação coletiva. A cena final da batalha, onde os rebeldes são dizimados pelas legiões romanas, pode também ser considerada exemplar. Primeiro o uso de cortes rápidos, eficazes, associados com os acordes sonoros. Depois, pela sagaz contraposição das formas geométricas compostas pelos soldados profissionais romanos com o embaralhado informal dos combatentes de Spartacus, os amadores da batalha. Em suma, utilização precisa dos long-shots, perfazendo tudo um ritmo dinâmico de alta voltagem. É o cine-espetáculo em tôda pujança essencial - e também emocional, com o final da lágrima no ôlho do herói, enquanto os companheiros se acusam. Vale ver e rever.
Correio da Manhã
12/04/1969