Hollywood é a maior fábrica de cinema do mundo - não só diversão (onde, então, é insuperável) mas cinema pra valer. Da mesma forma, o cinema americano é, dentre todos, apesar das limitações o mais agudo na autocrítica da sociedade que o gerou. Não é preciso fazer maiores digressões a respeito dos horrores e misérias dos bastidores das telas, dos estúdios etc.: estão aí livros como Hollywood Babylone, de Kenneth Anger, o depoimento de inúmeras pessoas que viveram a saga do sucesso e, em última instância a quantidade de fitas realizadas sôbre o próprio tema, o próprio ambiente. Algumas cruas outras mais romanceadas, mas, sempre, procurando colocar a nu qual é o caminho das estrêlas: Sunset Boulevard, de Billy Wilder, Jeanne Eagels, de George Sidney, All About Eve, de Joseph L. Mankiewicz, ou do mesmo Robert Aldrich, na fase inicial e de apogeu de sua carreira, The Big Knife - um filme notável na época, pela coragem com que desnudava certos aspectos do mundo do cinema.
Agora, em plena· decadência, Aldrich retorna ao assunto com A Lenda de Lylah Clare (The Legend of Lylah Clare), baseado na peça de televisão de Robert Thom e Edward de Biasio. Não se esperava grande coisa, quando muito um espetáculo bem administrado; visível. Previsão correta. Embora o argumento e as linhas da trama não fôssem de todo desprezíveis (por causa de superposição de um filme sôbre outro), a realização só dá sinal maior de vida na sequência iniciail dos letreiros, quando Kim anda pela calçada, vendo os nomes dos grandes astros gravados no solo e no trecho final a partir do momento em que Elza, no trapézio dispensando a substituta, vai filmar a cena final.
Além da presença sintomática de Kim Novak, dá-nos Aldrich a: impressão de haver sofrido uma inspiração temática hitchcockiana, de Vertigo e Rebecca, assim como há um pouco de A Face in the Crowd, de Kazan, no que diz respeito à televisão. Não se trata, aqui da biografia da suposta Lylah Clare, mas de um filme que versa exatamente a respeito da filmagem desta biografia, quando então o conflito entre a atriz e o diretor (que havia 20 anos antes, criado e dirigido aquêle mito feminino), ganha as dimensões trágicas do passado. A idéia, portanto, era interessante, porém a sua realização vazou-se em moldes superados com excesso de diálogos cenas de conflitos que já vimos dezenas de vêzes. Kim, muito bonita, dá o que pode; Peter Finch jamais convence alguém que pudesse ser uma espécie de Von Sternberg; Rossela Falk é uma lésbica chorona e sentimental. A reabilitação de Aldrich continua marcando passo.
Correio da Manhã
19/04/1969