Enigma de uma Vida (título em português incrível que arranjaram para The Swimmer, ou seja, O nadador) se constitui num dos melhores filmes americanos dessa última safra. Trata-se de uma realização contida, com um crescendo dramático admirável, que jamais é "forçado" ao espectador, mediante acordes musicais ou efeitos visuais que pretendem etiquetar algum clímax. Pelo contrário, uma realização que flui com naturalidade, talvez pecando, numa cena ou outra, pelo excesso de diálogos previsto no roteiro de Eleanor Perry, baseado numa história de John Cheever.
A trama inteira desenrola-se apenas durante um · domingo de verão, por entre e através das casas de campo da alta classe média americana. Com o leitmotiv concreto das piscinas, o diretor Frank Perry faz deslizar os contornos de uma nova espécie de neo-american tragedy, onde os imperativos de competição, aliados ao artificialismo obrigatório de um viver impôsto ao ser humano, levam a ser espirrado do meio ou a se afogar quem, a ele, não se adapta. Nisso tudo, analisando, esmiuçando os tipos humanos que coadjuvam o narrador, Frank Perry apenas se permite um momento de "brilho", uma sequência onde Burt Lancaster, com a ajuda de seu físico atlético, "sola" no cercado, pulando os obstáculos como se fôsse um cavalo; e onde também funciona o ralenti para dar ênfase aos arroubos musculares. No mais, de casa em casa, de piscina em piscina, temos uma espécie de tableaux da via crucis de um homem, que, paradoxalmente, cai no irrealismo diante de uma sociedade, na medida em que se volta mais para a natureza, para o imediatismo inocente das situações. Dêsse modo também, a partir da acolhida afetuosa que êle recebe na primeira mansão onde aparece; vamos, cada vez mais que se aproxima de sua casa, tomando conhecimento do fracasso de sua vida e, em paralelo, constatando a hostilidade crescente do meio. Na penúltima etapa, quando já sob o impacto da agressividade geral é obrigado a se lavar várias vêzes a fim de penetrar numa piscina pública, a câmara-personagem funciona em traveling esfusiante, na hora em que Burt mergulha na piscina abarrotada de pessoas e tenta chegar à outra borda. Ao fim, ao chegar em casa, o lar abandonado e semidestruído, sob a tempestade, o seu corpo arquejante frente à porta é uma espécie de Rodin em movimento.
Quanto a Burt Lancaster, tem, talvez, o melhor desempenho de sua carreira, num papel que, por motivos atléticos e histriônicos, era quase propriedade sua.
Correio da Manhã
30/03/1969