Joanna, que acabou ganhando um prêmio especial do júri de longa-metragem do II Festival Internacional do Filme, foi uma das mais agradáveis surprêsas proporcionadas pela mostra. Trata-se de uma realização esfusiante em três faixas: 1ª o aspecto visual, com uma fotografia excelente, de Walter Lassaly, onde impera um desdobramento instigante de côres e formas; 2ª o ritmo da fita, sempre vivo, descontraído, livre de compassos tradicionais e que apenas sofre rebate durante parte do têrço final do espetáculo, onde o argumento se concentra em excesso na vida de Joanna e seu amante negro; 3ª o comportamento dos personagens, tanto na forma como no fundo, a traduzir a perfeita integração cinematográfica de um estar existencial da juventude, livre de tabus sociais, sexuais ou raciais.
Com isso tudo, Joanna consegue uma mélange admirável do estilo implantado pelos musicais da Metro, com a desenvoltura dos jovens protagonistas do neo-existencialismo inglês, que é muito menos a velha fossa sartriana, do que o apêlo a um neopaganismo sadio e, ao mesmo tempo, requintado. O prazer pelos objetos, o prazer pela fantasia, o prazer da comunicação entre os sêres, em suma, o prazer de viver o momento, com todos os gostos.
O diretor, Michael Sarne, apresenta-se com essa fita como uma das melhores revelações do cinema inglês. Teve uma existência movimentada de cantor, fotógrafo, jornalista, crítico e ator em dois filmes, A Place to Go e Seaside Swinger. Iniciou-se, então, como cineasta, com o documentário Road to St. Tropez, bastante elogiado. Joanna é um cartão de visitas dos mais instigantes, onde o realizador – que também escreveu o argumento e o roteiro - evidencia um senso de linguagem moderna e de descontração antiliterária. Existem algumas sequências já talvez antológicas, mormente aquela onde a protagonista, no alvorecer do dia, vestida de rosa, dança e desliza pela cidade - a fazer inveja a alguns dos melhores musicais de Hollywood. Noutra cena, também admirável, onde Joanna rememora o encontro final com o seu amigo Lord Sanderson (Donald Sutherland, em boa aparição), anteriormente filmado em prêto e branco, o uso da côr ganha ímpeto expressivo notável, com a predominância do branco e apenas um detalhe verde.
O aspecto refinado, rebuscado e mesmo insólito dos décors impõem também um registro, com as roupas dos personagens e até as sombras das maquilagens dos olhos das mulheres entrosadas com uma ambiência cromática. Joanna, além do virtuosismo técnico e rítmico, é o que se pode considerar como um filme essencialmente bem administrado, uma fita voltada para as vertentes puras do espetáculo – fator básico ao se aflorar uma antologia do cinema em si.
O score musical compreende algumas canções bonitas e agradáveis, e o responsável por êle é Rod Mc Kuen, autor de mais de 900 músicas, não só composições para o cinema e para a televisão como também música erudita. Realizou, na França, versões de número de Jacques Brel, Charles Aznavour e Gilbert Bécaud e, em 1966, obteve o Grand Prix du Disque, com a sua canção Seasons in the Sun. Aqui, a sua contríbuição também se consiste num dos pontos positivos de Joanna.
Notas & Notícias
• POLANSKI E 2001
Em mais uma entrevista que concedeu à revista Cahiers du Cinéma (número de janeiro), o diretor Roman Polanski (que aqui esteve presente como uma das grandes atrações do II FIF e concorreu com o seu Rosemary's Baby) fêz questão de interromper a série de perguntas sôbre a sua carreira para exaltar 2001: Uma Odisséia no Espaço, como, pelo menos, a melhor realização de science-fiction a que já assistiu, Polanski ressalta especialmente a parte inicial com os macacos e o trecho final, o qual identifica com as experiências projetadas pelo uso do LSD. Polanski, aliás, disse que já experimentou o ácido lisérgico por três vêzes.
Correio da Manhã
02/04/1969