Um bom filme. Altamente civilizado. Mais talvez do roteirista Abby Mann, do que de Gordon Douglas, diretor que já possui longa filmografia, com vários bons filmes e outros tantos inócuos. Mais uma demonstração também da liberdade (a condição nº 1 de objetividade na arte e, por extensão, na vida) que domina no cinema americano, tornando-o o mais radical e corajoso em matéria de autocrítica de aspectos de uma sociedade e de um sistema. Aí estão novamente, com tôdas as letras, a corrupção política e policial, que chegam a gerar um êrro judiciário, com a vítima morrendo na cadeira elétrica, em bom e virulento primeiro plano de Douglas. Aí estão inúmeras mazelas sociais, coonestadas pelo aparelho policial e repressor - pois êsses aparelhos são usados para isso em regimes incapazes ou interessados na conservação delas (tal o nosso Brasil em tempo de "revolução"). Ou o fenômeno do homossexualismo, abordado com todo requinte e crueza. Necessário reconhecer: mazelas que outros cinemas e outros países escondem da discussão ou exposição em público. Frank Sinatra personifica o detetive, cuja atitude ética e grau de civilização contrastam com o meio. Casou-se com uma professôra de sociologia, ninfomaníaca e, naturalmente, neurótica, numa boa aparição de Lee Remick. Quando Leland (Sinatra) descobre o mal da mulher, talvez para espanto da censura (que, reconheça-se, liberou a fita), não processa nenhuma daquelas cenas típicas de ''bronca" eu espancamento, nem sofre das crises de cornitude, estas últimas mero reflexo de abstrações provincianas. Pelo contrário, enfrenta a questão com calma, com a dialética vivencial, embora despreze a psicanálise ou o LSD, o que é ainda um preconceito de formação ética que, às vêzes, desbarriga ligeiramente no moralismo. O filme possui, assim, três linhas de entrecho paralelas: o problema íntimo e psicológico do detetive e sua mulher; o problema social, desfechado pelas provas contra uma cúpula política corrompida; a questão fatual e contingente, do assassinato brutal de um pederasta em seu luxuoso e requintado apartamento. O filme poderia ser melhor se tivesse um argumento mais conciso e concentrado, que não esbarrasse no novelesco, e um diretor mais sensível. Gordon Douglas, certo, aceita o tema, mas a execução é pouco imaginosa, corno, por exemplo nos surradíssimos recursos de fade-in ou fade-out na operação dos flashes-back. Compensa isso com algumas sequências isoladamente mais bem elaboradas, um corte, uma ou outra elipse. The Detective, contudo, merece ser visto, por um tanto de vigor de espetáculo e de franqueza na abordagem do gênero.
Correio da Manhã
03/12/1968